Vi um tuíter do Macedão, da Gaúcha, que alertava para o seguinte:
“Vovôs e vovós abrigados pelo Asilo Padre Cacique precisam de feijão, farinha de mandioca, sardinha, 'chimia' e mel”.
Cinco produtos, apenas. É fácil ajudar os velhinhos.
Agora vou dizer uma coisa: me enterneceu eles precisarem de chimia. Fez-me voltar no tempo, me vi na casa da minha avó, sentado à mesa do café da tarde, ela anunciando:
- Prova essa chimia de uva que eu fiz nesta semana, está bem fresquinha.
E passava chimia no pão e deitava uma fatia de queijo em cima e eu comia com gosto, sorvendo, nos intervalos de cada dentada, o quente café com leite.
Chimia é coisa de alemão. O nome já diz: schmier, pronuncia-se chimia. Alguns bárbaros dizem que chimia é igual a geleia. Nunca! Chimia é mais cremosa, mais delicada. Ao provar a chimia você sente que ali houve o empenho de hábeis mãos humanas, como as da minha avó, que fazia na cozinha a chimia que provaríamos na sala de jantar. A geleia, não. A geleia é industrial, desumana, tristemente imparcial.
Espero que vocês doem chimia de verdade para os velhinhos. Eles são experientes, sabem a diferença.
Outro episódio que me fez lembrar da minha avó, nesses dias, foi a entrevista que fizemos com o secretário da saúde João Gabbardo, de São Paulo, no Timeline. Ele contou que o Butantan está produzindo vacinas à base de ovo de galinha.
Primeiro, admirei-me da utilidade da galinha. Tudo se aproveita deste manso animal. Até os pés e o pescoço da galinha podem virar canja, se bem que considero a visão de pés e pescoços de galinha numa panela algo repugnante.
Tenho trauma de galinha, essa é a verdade. Não do bicho vivo em si. Não temo a galinha. Inclusive, certa feita, quando trabalhava no Diário Catarinense, fui fazer reportagem sobre a imensa produção de frangos do Estado e visitei muitos aviários. Num deles, em dado momento, vi-me cercado de MILHARES de galinhas. A situação me causou alguma apreensão, confesso. Vai que as galinhas se revolvem por algum motivo... Mas fiquei frio e saí do local incólume.
O que não sou muito adepto é de pratos com galinha. Até como, se você quiser saber, e sou capaz de gostar. Sem problemas. Mas, a princípio, não me entusiasmam pratos com galinha.
A minha avó fazia galinha com arroz todos os domingos. Era ótimo, mas eu assistia ao processo selvagem que ia do bicho vivo ao almoço. Acho que foi isso que me ficou marcado n’alma.
Ela tinha um galinheiro no fundo do quintal. Várias vezes fui com ela até lá. Ela enfiava a mão debaixo de uma galinha que estava chocando e dali tirava um ovo ainda quente, às vezes meio sujo de fezes. Fiz isso algumas vezes, a mando dela. Não era legal.
Nos domingos, ela também ia ao galinheiro, só que voltava de lá com uma galinha viva debaixo do braço. Parava, então no meio do pátio e, num único e rápido movimento. Torcia violentamente o pescoço da galinha, que morria num só suspiro, suponho que sem dor.
Aí a minha avó levava o cadáver para a cozinha, onde lhe aguardava uma chaleira de água fervente. Ela derramava essa água no corpo da galinha e, a seguir, puxava-lhe as penas, que saíam com facilidade, amolecidas pelo escalde. Lembro, ainda hoje, daquele cheiro de penas queimadas. Uma ou duas vezes a minha vó me deu uma galinha para eu fazer esse trabalho. Também não foi legal.
Tenho a impressão de que é esse cheiro que me fez desenvolver restrições à galinha. Mas agora tudo mudou entre nós. Eu e a galinha, digo. Agora que sei que a galinha, ou o ovo dela, é usado para produzir vacinas salvadoras contra o covid, passei a admirá-la. Neste fim de semana, vou comer galinha com arroz. Assim, homenagearei ambas, minha avó e a galinha, esse animal pouco valorizado, mas que nos é tão necessário.