Nas minhas edições em papel do Aurelião e do Houaiss não existe a palavra “aponia”. São edições antigas, a do Houaiss é de 2009, a do Aurélio é de 86. A revisora do jornal, Deisi Mietlicki, alertou-me que a falha já foi corrigida pelo menos nas versões on line. Ótimo. Mesmo assim, isso atesta que aponia não é uma dessas palavrinhas fáceis, que você encontra em qualquer mesa de bar.
Bem.
Aponia é uma palavra inventada pelos antigos gregos, que eram ótimos para criar conceitos novos a respeito de sentimentos velhos. Na verdade, os antigos gregos teorizaram sobre tudo. É espantoso como eles sabiam usar o pensamento e a linguagem para compreender a alma humana.
Um desses achados linguísticos gregos é a aponia, que significa “ausência de dor”. O que, para eles, era mais do que tão-somente a neutralidade do alívio; era a própria bem-aventurança. É provável que Schopenhauer tenha bebido dessa fonte, porque ele dizia, exatamente, que a felicidade é a ausência de dor.
E é isso mesmo. O alívio que se sente depois que a dor passou não chega a ser o êxtase, mas é uma maravilhosa sensação de bem-estar e de que continuar respirando debaixo do sol vale a pena. Assim, a pessoa que já sentiu muita dor, mas não sente mais, sabe que a felicidade não está nos prazeres extremos; está na sobriedade de uma vida bem vivida a cada dia.
Com os povos ocorre o mesmo. Olhe para os europeus, que, em 40 anos, enfrentaram as duas guerras mais sangrentas da história da Humanidade. Europeus que conheceram esse sofrimento jamais serão perdulários. Eles são austeros, porque sabem que, se os tempos de abundância não forem bem administrados, pode haver tempos de fome. E eles são disciplinados, porque sabem que só com autocontrole e com sacrifícios é possível sair ileso de uma grande dificuldade.
Essa resiliência nós não temos, nós brasileiros. Porque nossos problemas não são agudos como uma guerra. São problemas estruturais, que nos afligem lentamente, a longo prazo.
Assim, nossa quota de abnegação é menor do que a desses povos trágicos. Chega uma hora em que nós simplesmente desistimos e nos entregamos aos desígnios da sorte. “Seja o que Deus quiser”, proclamam as pessoas quando vão cometer alguma temeridade e, com isso, tiram a responsabilidade delas próprias e jogam-na para os Céus: Deus é que decidirá por elas.
É o que estamos fazendo agora, ao lidar com a interminável pandemia de coronavírus. Muitos simplesmente desistiram de se cuidar e esperam que Deus ou o destino ou a sorte façam isso por elas.
Não é inteligente. Pior: não é nem racional. Falta pouco para nos livrarmos dessa peste. Falta bem pouco: as vacinas já estão chegando. Precisamos suportar mais alguns meses, talvez no fim do verão tudo esteja bem encaminhado para uma solução. Algumas doses a mais de resistência, algumas doses a mais de cautela, é só do que precisamos. Use máscara, lave as mãos. Prefira a segurança à liberdade. Não ceda aos prazeres fáceis. Porque prazeres fáceis não trazem felicidade. A felicidade é a ausência de dor.