A escritora Lya Luft, dias atrás, revelou ter votado em Bolsonaro e admitiu que está arrependida. Pronto. A nova patrulha ideológica caiu sobre ela como a nuvem de gafanhotos que assola a Fronteira Oeste. Uns foram condescendentes, outros debocharam, muitos a insultaram.
Eu não votei em Bolsonaro. Ao contrário, cheguei a escrever uma coluna cujo título era, exatamente, Não vote em Bolsonaro. Mas já me arrependi de outros votos, em outros candidatos. É assim mesmo. A palavra “voto” vem do latim. Significa promessa, desejo. Nem sempre se cumpre.
Mas Lya Luft foi criticada como se a obrigação dela fosse votar no candidato dos críticos. No caso, críticos vinculados à esquerda. O raciocínio é o de sempre: “Nós somos moralmente superiores. Quem não está conosco, não nos apoia ou não nos aplaude é menor. Se for uma pessoa com algum conhecimento, está a serviço de interesses escusos. Se for ignorante, está sendo manipulado por quem está a serviço de interesses escusos”.
Em resumo, se você não aplaude a esquerda você é ou canalha ou burro.
Fico pensando como é que essas pessoas, os ativistas, os militantes, os intelectuais de esquerda ainda não perceberam que foi exatamente essa forma de pensar que atirou grande parte da sociedade para a direita. Entenda: não foi apenas a corrupção. A corrupção deu a justificativa para o rompimento de quem não suportava mais a arrogância, a presunção, a intolerância dos que acham que podem julgar os outros.
Lya Luft foi julgada e, obviamente, condenada por ter votado em Bolsonaro. Se isso acontece com Lya Luft, por que não com os demais? Ou seja: temos 58 milhões de brasileiros que são canalhas ou burros. Não ocorre, a quem pensa assim, que grande parte desses 58 milhões já votaram antes, e pode ser que tenham votado nos candidatos da esquerda.
Por que eles mudaram?
Por que um homem como Bolsonaro, sem grande currículo e sem grandes qualidades, mobilizou a população brasileira? Por que ele venceu?
Para me ajudar, vou tomar emprestado um trecho de um artigo que meu colega e amigo Marcelo Rech publicou em Zero Hora no remoto 2015, quando Bolsonaro era nada mais do que uma miragem:
“Vendo-se desamparado, o cidadão que não dorme enquanto a filha não chega é seduzido pelas respostas mágicas, ao mesmo tempo em que vibra intimamente quando a polícia passa fogo nos bandidos.
O cardápio que engorda a direita no Brasil, porém, se estende além da insegurança. Em vastas porções da população, há uma saturação com o manto de permissividade que agasalha desde a desfaçatez com o dinheiro público nos altos escalões até os protestos que se arvoram no direito de bloquear a entrada de uma metrópole.
A sensação de bagunça e descontrole só faz crescer o bolo extremista. O desejo de ordem e da força sobre todas as coisas é fermentado a cada vez que se cassa o direito de ir e vir, a cada greve de funcionários já bem pagos que se valem de usuários humildes como forma de pressão, a cada bandido recém solto que mata um inocente ou a cada vez que os direitos dos criminosos ganham mais atenção do que os direitos das vítimas”.
Junte essa situação a uma casta intelectual que aponta o dedo para o pagador de impostos e acusa: “A culpa disso é sua, você que é integrante da elite branca perversa, que não gosta de pobres e negros, que é fascista e racista”.
Misture tudo. O que sai do cadinho, depois do amálgama?
Jair Bolsonaro.
Não foi Lya Luft quem elegeu Bolsonaro. Foram os críticos da Lya Luft.