O Dado Bier original, que ficava ali perto do Iguatemi, embutido em um ermo, uma região da cidade que antes era remota e hoje é elegante, aquele primeiro Dado Bier foi histórico. Era um lugar bonito, cheio de ambientes diferentes, frequentado pelas mais belas mulheres do Brasil. Bastava caminhar pelo Dado Bier e olhar a paisagem para se desfrutar de uma noite agradável.
Eu ia sempre lá com meu irmão e o Professor Juninho, às vezes o Degô ia também. No meio da madrugada, a garçonete vinha das entranhas da cozinha equilibrando uma bandeja em que estavam instalados tubos de ensaio. Sério: tubos de ensaio, não copos. Continham uma bebida colorida e fumegante, coisa de que nem sei o nome. Não era bom, mas era divertido. Então nós bebíamos aquilo como se fosse a poção mágica do Obelix. Nada nos fazia mal naquela época.
No Dado Bier trabalhava uma garçonete, a Mari, que era famosa por sua beleza, sua simpatia e seu profissionalismo. No meio da noite, sempre havia algum bêbado pedindo a Mari em casamento, mas ela se esquivava dessas abordagens com classe e senso de humor, conseguindo ser leve e firme ao mesmo tempo. Assim, o que seria um assédio incômodo se transformava em um episódio folclórico. Os amigos do bêbado gozavam da sua tentativa infrutífera, aplaudiam a Mari e tudo ficava por isso mesmo. Que categoria, a Mari. Depois ela foi para outros bares da noite porto-alegrense. O último em que a vi foi o Quincho, que se encarapitava nos altos do Três Figueiras e servia um ótimo carreteiro de charque.
Escrevo sobre o Dado Bier porque, no meio da última semana, fiz uma crônica a respeito dos bares que tanta falta nos fazem agora, durante as agruras do confinamento. Alguns leitores se entusiasmaram e me mandaram mensagens discorrendo acerca de seus bares favoritos. E o velho debate se acendeu: afinal, qual foi o melhor bar da história de Porto Alegre?
Sou um homem fiel aos meus bares. Quando vou a um, é ali que vou sempre.
Não gosto de mudar, porque me sinto leviano. Até porque bares são muito mais efêmeros do que restaurantes. Um bar se torna moda, viceja por algum tempo e, depois, por alguma razão começa a murchar, até que desaparece. Bares envelhecem. Restaurantes, não. Um restaurante pode ter 200 anos e continuar igual ao que sempre foi. Um bar bom, quando a gente vê, já foi. Por isso, quando assumo um bar, aproveito-o. Para mim, ele será eterno enquanto dure.
Fiquei pensando se o Dado Bier não seria um dos melhores bares da história de Porto Alegre, mas o descartei. Sabe por quê? Porque tinha dança. Bar não pode ter dança. Quando tem dança, deixa de ser bar e vira “casa noturna”. O Dado Bier era uma casa noturna.
Gosto desse nome, “casa noturna”, porque é aconchegante. Você sai da casa diurna, que é a sua casa, e vai para uma noturna. Quer dizer: você também se sente em casa, só que é de noite.
O bom bar haverá de ter comida saborosa, chope gelado e atendimento atencioso.
Mas voltando aos grandes bares de Porto Alegre, preciso ressaltar que mesmo a música ao vivo pode ser daninha ao bom bar. O bom bar haverá de ter comida saborosa, chope gelado e atendimento atencioso. Se tiver um prato que o distinga, aí, bem... aí pode ser o bar perfeito.
Seguirei relembrando a história de grandes bares da cidade, mas, por enquanto, quero me ater a este ponto: o prato de distinção. Porque era a respeito disso que, dias atrás, conversava com o Nilson, garçom do Tartare.
O Nilson me contou que, tempos atrás, ao empreender uma viagem para fora do Estado, aprendeu a fazer uma rara iguaria: bolinho de feijoada. Não é de feijão; é de feijoada, com todos os seus nobres ingredientes suínos. Ele descreveu o bolinho, contou em pormenores como é preparado e me deixou salivando.
– Meu Deus! – exclamei. – Eu quero bolinho de feijoada! Preciso do bolinho de feijoada! Quando teremos bolinho de feijoada?
O Nilson baixou a cabeça e gemeu:
– Nunca...
– Mas... por quê? Por quê???
Ele explicou, com voz sumida, que tentou servir bolinho de feijoada no bar, mas os clientes não aprovaram. O bolinho de feijoada, por melhor que seja, afronta a cultura gaúcha, que reserva os sábados de inverno, e apenas os sábados de inverno, para comer feijoada e mocotó. Qualquer variação escandaliza os nossos tradicionalistas culinários. Para o gaúcho, tudo tem de ser sempre igual. Fiquei revoltado. Ainda estou. Quanto do proveito da vida perdemos por nosso conservadorismo!