Paul Morphy foi um gênio. Essa palavra, "gênio", está desgastada hoje em dia. Muitos são classificados como gênios, e não são. O gênio não pode ser só talentoso; tem de ser extraordinário. Precisa estar claramente acima dos outros seres humanos, pelo menos em alguma atividade.
Paul Morphy se enquadrava nessa categoria. Sua memória era assombrosa, fora do normal. Quando criança, disputava partidas de xadrez simultâneas, de olhos vendados, contra diversos adversários adultos, e as vencia inapelavelmente. Um dia, um mestre internacional húngaro foi visitar sua cidade, Nova Orleans. Morphy tinha 12 anos de idade e apresentou-se para enfrentar o campeão. Jogou três partidas. Ganhou as três.
Isso aconteceu em meados do século 19, bem antes do surgimento de Bobby Fischer, que, aliás, tinha Morphy como ídolo. Na época, a fama do garoto-prodígio se espalhou pelos Estados Unidos. Do Atlântico ao Pacífico, ninguém conseguia vencê-lo. Morphy, então, decidiu procurar por adversários mais desafiadores e viajou para a Europa. Lá, bateu-se contra grandes mestres de todas as partes do continente, com níveis altíssimos. Derrotou todos. Morphy, como Rocky Marciano no boxe e eu no jogo da velha, jamais foi vencido.
Mas seu reinado durou pouco. Ao voltar para os Estados Unidos, apaixonou-se por uma moça que o rejeitou como se ele fosse um peão da ala da torre. Desiludido, Morphy abandonou o xadrez e, de certa forma, a vida. Foi ficando cada vez mais triste, até a melancolia afetar sua saúde mental. Aos 47 anos de idade, morreu na banheira, como Marat, só que não de facada, como o francês, mas de um vulgar derrame cerebral.
Gosto dessa história porque ela demonstra que nem sempre os gênios são inteligentes. Ao contrário, eles são desequilibrados, no sentido estrito da palavra, de pender demais para um lado, em detrimento do outro, ou dos outros.
Em geral, as dificuldades que os gênios encontram na vida se localizam no campo que abalou a existência de Morphy: no emocional. Ter o domínio dos próprios sentimentos, saber lidar com outras pessoas, seduzi-las, convencê-las e mobilizá-las é uma arte que a maioria dos gênios não controla.
Em momentos graves, como o que vivemos, é desse tipo de artistas de que o mundo necessita. Gente que entenda de gente, que mostre o que é preciso fazer para que o problema seja resolvido, ou, pelo menos, atenuado.
Pensei nisso ao ver Angela Merkel gerir a crise do coronavírus na Alemanha. Ela nunca poderia ser definida como um gênio. Porque não tem brilhantismo algum, é uma mulher morna, quase tediosa. Churchill tinha texto; Hitler, retórica. Obama tem elegância, Trump é polêmico. E Merkel? O que tem Merkel? Merkel entende de gente. Ou, pelo menos, da sua gente. Merkel compreende o povo alemão e sabe o que pode exigir dele. Por isso, a Alemanha vai se safar dessa encrenca antes de todos. Graças não a uma liderança de gênio, mas a uma liderança com bom senso. Que falta nos faz um líder com bom senso.