Tornei-me um admirador do álcool gel. Mais: tornei-me quase um devoto. Que substância extraordinária. Sempre o vi como um produto trivial, nunca lhe dei o verdadeiro valor, nunca pensei que ele fosse assim. Ele nos limpa e purifica, como as águas do Rio Jordão.
A propósito das águas do Rio Jordão, a Bíblia conta que o arameu Naamã, homem de grande valor, muito estimado por seu rei, tinha lepra, o que, na Antiguidade, era bem pior do que coronavírus. Um dia, uma moça hebreia que trabalhava para a mulher dele sugeriu que Naamã procurasse o profeta Eliseu para tentar curar-se. Segundo a serva, Eliseu matinha canal aberto com o próprio Jeová, que lhe concedia, entre outros favores, o poder da cura.
Naamã estava desesperado e decidiu tentar. Chegando a Israel, procurou o profeta, que nem sequer se dignou a recebê-lo, mandou apenas um mensageiro. Que deu o seguinte recado:
– Vai, lava-te sete vezes no Rio Jordão, que tua carne será curada e ficarás limpo.
Naamã se aborreceu com o pouco-caso de Eliseu.
– Eu pensava que ele sairia para me ver e invocaria o seu Deus em minha presença! Será que os rios de Damasco não são melhores do que todas as águas de Israel, para eu me banhar nelas e me curar?
Dizendo assim, Naamã montou em seu cavalo e chamou seus soldados a fim de voltar para casa, frustrado. Mas um servidor sensato se aproximou dele e argumentou:
– Se o profeta tivesse mandado fazer uma coisa difícil, você faria. Por que não faz o que ele mandou, que é tão fácil?
Naamã pensou um pouco e considerou interessante a lógica do seu empregado. Banhou-se, então, sete vezes no Rio Jordão e, de acordo com o Livro, “sua carne tornou-se semelhante à de uma criancinha, e ele ficou purificado”.
Pois bem. O álcool gel talvez não cure, como as águas do Rio Jordão, mas dissolve os coronas que tanto têm nos atormentado. Se caísse uma chuva de álcool gel sobre Porto Alegre, toda a cidade estaria a salvo de coronas. Que pensamento delicioso esse, uma chuva de álcool gel. Bem que Jeová poderia providenciar esse milagre.
A luz
Mas, enquanto o Senhor não intervém diretamente por nós, tenho cá uma pequena ideia: poderíamos fazer a nossa parte. Poderíamos agir com mais planejamento, com mais objetividade, baseados no que está funcionando em outras partes do mundo.
Nesta quarta-feira, no Sala de Redação, sugeri que a CBF e os clubes de futebol adquirissem testes de imunidade do coronavírus aos milhares. Se todos os jogadores e funcionários dos clubes fossem testados, seria possível identificar os que já estão imunizados. Ou seja: os que contraíram o vírus e não sabem. Esses, depois de 14 dias de resguardo, poderiam voltar à vida normal. Eles não contaminariam ninguém e tampouco poderiam ser reinfectados. O futebol retornaria, de portões fechados, obviamente, até o meio de maio.
O mesmo princípio se aplica a todas as outras atividades. Empresas, prefeituras e governos estaduais têm de comprar testes, aplicá-los e conferir certificados para quem já está imunizado. Assim, o isolamento seria relaxado aos poucos e com segurança.
Parece fácil, como banhar-se no Rio Jordão. E, de fato, é fácil. Mas, muitas vezes, a saída mais simples é a mais certa. A simplicidade, já disse Leonardo da Vinci, é o auge da sofisticação.