Fiquei surpreso quando o Magro Lima veio me falar de Knut Hamsun. Ninguém mais fala de Knut Hamsun. O Magro sim, porque é lido e possui uma memória com mais capacidade do que aquele pen drive com não sei quantos terabytes. O Magro, que é uma estrela da Rádio Atlântida, se lembra de tudo e com pormenores, o que me produz imensa inveja, porque meu cérebro só pega à manivela, às vezes as informações estão guardadas em escaninhos longínquos, para chegar até eles levo horas.
Foi o caso de Knut Hamsun. Primeiro, fiquei admirado:
– Tu leste Knut Hamsun!
Não são muitos os brasileiros que o leram, embora ele seja um dos maiores escritores da Noruega de todos os tempos, emulando com Ibsen. Conheci Hamsun por volta dos 12 anos de idade. Minha mãe tinha na estante uma maravilhosa coleção de livros dos Prêmios Nobel de Literatura, que havia ganho de presente do meu pai. Eram volumes alentados, encadernados em couro branco, com ilustrações de Pablo Picasso, um luxo. É óbvio que li todos, e um dos que mais gostei foi Fome, de Hamsun.
Esse romance me impressionou muito. É a história de um jornalista-escritor que vaga famélico pelas ruas de Oslo, desesperado para publicar algo em algum jornal da cidade e assim arrumar uns trocos para pagar o almoço. De certa forma, lembra Os Ratos, do gaúcho Dyonélio Machado, que li mais tarde. Mas vou dizer algo que talvez lhe pareça heresia, escandalizado leitor: Os Ratos é melhor.
Isso não quer dizer que Fome não seja notável. É. Hamsun foi grande escritor. O Magro Lima tem certas reservas em relação a ele por considerar que Bukowski se espelhou em seu estilo. O Magro Lima, como se vê, não gosta do Velho Buk. Eu gosto, o que me faz gostar ainda mais de Hamsun.
Pode um intelectual de sólida cultura enganar-se dessa forma com a política?
Só que ele era nazista. Não o Magro Lima, não Bukowski, mas Knut Hamsun. Foi disso que lembrei, horas depois de o Magro Lima me falar que o havia lido – ele era nazista, nunca negou ser nazista e, pior, orgulhava-se de ser nazista. Para você ter ideia, em meio à guerra, Hamsun deu sua medalha do Nobel a ninguém menos do que Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha. E, quando Hitler se suicidou, Hamsun escreveu um texto chamando o Führer de “um guerreiro, um pregador do evangelho da justiça para todas as nações”.
Neste momento, pensei em algo que deveria ter dito ao Magro Lima naquela hora, e que digo agora. É um par de questionamentos:
Pode um intelectual de sólida cultura enganar-se dessa forma com a política? Pode alguém de tão poderosa inteligência cometer tamanha tolice?
Aí é que está: pode.
O Brasil de hoje, dos bajuladores dos políticos, prova que pode. O que não absolve Knut Hamsun. Mas sua obra, sim.