Toda filosofia, toda religião e toda psicologia só existem para responder a uma única pergunta. A seguinte:
“Qual é o sentido da vida?”.
Pois eu aqui, nesta coluna, darei a resposta em meia linha e pouparei você, felizardo leitor, de angústias existenciais, de gasto com analista e de desperdício de tempo ouvindo as litanias do Karnal e do Cortella. Aí vai:
“O sentido da vida são as outras pessoas”.
É isso, e nada mais do que isso. As pessoas não se realizam por grandes obras, grandes façanhas, grande sucesso, grandes prazeres ou grande popularidade. As pessoas se realizam na relação com as pessoas que lhes são próximas. É o que faz com que suas vidas tenham significado.
Essa verdade explica a surpreendente e ilógica sobrevivência da instituição do casamento. Por que alguém se submeteria à pachorra da monogamia num mundo tão vasto de ofertas e possibilidades? É porque esse contrato, o do casamento, dá ao cônjuge a certeza de que existe outro ser humano que se importa com a sua vida. O casamento garante, em tese, a relação íntima com pelo menos UMA pessoa. Assim, o que importa no casamento não é o sexo ou o amor. O que importa é a mera presença de uma pessoa na vida de outra. Ao se casar, o cônjuge não contrata um amante; contrata uma testemunha.
Pessoas, portanto, necessitam de outras pessoas. Por essa razão, o coronavírus está tirando dos seres humanos o que lhes é mais caro: o contato com outros seres humanos. Potencialmente, somos todos, hoje, o que eram os antigos leprosos. E não é por acaso que emprego este termo, “leproso”, em vez de “portador de hanseníase”.
Porque, ao escrever “leproso”, digo exatamente o que quero dizer. O leproso era um pária, ele era apartado da sociedade. Quando caminhava pela rua e via outras pessoas a distância, era obrigado a gritar:
– Impuro! Impuro!
Assim, anunciava a sua própria desgraça contagiosa e avisava às pessoas para se afastarem dele. Se não gritasse e fosse descoberto como leproso, poderia ser apedrejado até a morte.
Em Porto Alegre havia um leprosário, o Hospital Colônia de Itapuã. As pessoas eram levadas para lá muitas vezes à força e de lá não podiam mais sair, porque a sociedade saudável não podia correr o risco de ser contaminada. Nos anos 1940, depois de milênios de sofrimento, a ciência descobriu a cura da lepra, então já chamada de hanseníase por conta do nome do descobridor do bacilo que causa a doença, o norueguês Gerhard Hansen.
Nós, agora, estamos como os leprosos de antes da descoberta da cura. Estamos esperando pela ciência, que nos devolverá a tranquilidade e permitirá que nossa humanidade seja exercida. Isso vai acabar acontecendo, tenha certeza. Enquanto não acontece, talvez esse tempo de isolamento seja até bom. Talvez ele nos torne mais tolerantes, mais leves, menos preocupados com o que não importa. Porque descobriremos, enfim, o que importa: apenas, e simplesmente, o outro.