Na coluna passada, errei o número de zeros de cem mil trilhões. Duas dúzias de leitores me corrigiram e hoje corrijo aqui: na verdade, cem mil trilhões não são 1.000.000.000.000.000.000, como escrevi. São, apenas, 100.000.000.000.000.000.
Em todo caso, quero voltar a esse número a fim de explicar por que Bolsonaro arriscou o seu cargo ao fazer o discurso que fez na noite de terça-feira passada.
É o seguinte: relatei que o corpo humano carrega cem mil trilhões de micróbios em seus 10 mil trilhões de células. Cem mil trilhões é muita coisa. Os cientistas dizem que há cem bilhões de estrelas na nossa amada galáxia, a Via Láctea. Não sei como conseguiram contar tanta estrela, mas acredito neles. Esse dado significa que há mais micróbios no seu corpo do que estrelas no céu. É horrível pensar nisso, uma montanha de micróbios em você. Mas há também mais células em seu corpo do que estrelas no céu, e nisso é bom de pensar, porque demonstra a nossa complexidade.
Agora, imagine outro momento: o primeiro de todos. Imagine como um ser humano, no caso, você, se transforma de uma única célula em uma pessoa completa. Funciona assim: uma célula se divide em duas, essas duas em quatro, as quatro em oito, as oito em 16, as 16 em 32 e assim por diante. O número de células vai sempre dobrando. Certo. Calcule agora quantas vezes esse processo tem de acontecer para que uma célula solitária se multiplique até chegar a 10 mil trilhões.
Descobriu quantas vezes?
Direi: 47.
Basta esse programa de duplicação se repetir 47 vezes para uma célula se transformar em 10 mil trilhões.
Bem. Essa é a velocidade de contágio do coronavírus. Em média, cada pessoa contamina outras duas. Isso significa que, desde o aparecimento da primeira pessoa infectada em Porto Alegre, se a linha de transmissão não for quebrada, toda a população da cidade estará infectada em 18 dias. Já para contaminar a população brasileira inteira são necessários 25 dias. Ora, os órgãos de saúde descobriram o primeiro brasileiro com a doença em 23 de fevereiro. Isto é: grande parte da população já está infectada. Alguns assintomáticos, mas outros começarão a padecer em uma ou duas semanas, talvez três.
Não estou dando palpite na medicina; estou falando de matemática.
Seguindo o raciocínio, se 90% dos brasileiros sentirem no máximo só um resfriadinho, como definiu o presidente em seu pronunciamento, outros 10% precisarão de cuidados. Ou: pouco mais de 20 milhões de pessoas. E, se apenas 2% demandarem internação, chegaremos a 4 milhões de pacientes. Como o sistema de saúde poderia suportar?
Isso ocorreria inexoravelmente se a cadeia de transmissão não fosse interrompida pelo isolamento social, que foi criticado pelo presidente em seu discurso. Mesmo assim, o contágio será grande, o que significa que grande será a demanda de internação hospitalar.
Por isso, ao fazer um discurso discordante das autoridades mundiais de saúde, Bolsonaro fez também uma aposta altíssima. Se ele estiver certo, se consagrará como líder visionário. Mas, se estiver errado, será estigmatizado como falastrão irresponsável, quase como criminoso. O que acontecerá? Não sei. Mas a matemática fria, que não tem partido nem ideologia, indica dias sombrios para o governo federal.