Falamos da morte. Estávamos no Timeline, da Gaúcha, entrevistando o médico J.J. Camargo, quando o Potter perguntou algo sobre a morte. Camargo brincou:
Apesar de saber que era uma galhofa, aproveitei para defender a morte, essa injustiçada:
– Sabe que não? A morte é uma coisa boa!
E é mesmo. Não pude desenvolver o tema a contento na hora (programas de rádio são dinâmicos), mas agora o faço. Porque a morte, mesmo que a gente tente não pensar muito nela, está no centro da vida. Mais: a vida se justifica pela morte.
Sem a morte, a vida seria uma sequência aborrecida de tempos iguais.
Imagine uma vida sem morte. No Timeline, o Camargo e o Potter citaram um romance do Saramago, As Intermitências da Morte, no qual ele faz exatamente isso: concebe uma sociedade em que as pessoas não morrem. Mas, na ficção de Saramago, elas continuam envelhecendo e vão ficando decrépitas, até o ponto em que a morte é desejável para elas e para todos os que as cercam.
Mas você pode imaginar o ideal. Pode escrever o seu próprio romance: o de uma vida eterna no auge da saúde física e mental. Fosse assim, me diga: que razão você teria para levantar da cama todas as manhãs? Se você perdesse um dia, não perderia nada. Haveria uma quantidade infinita de dias para substituir aquele que se foi. Que urgência você teria em aprender, em amar, em melhorar como ser humano ou em construir seja o que for, se pudesse fazer isso mais adiante, sempre mais adiante, a perder de vista?
Sem a morte, a vida seria uma sequência aborrecida de tempos iguais. Graças ao ponto final da morte, cada um de nós conta uma história com começo, meio e fim, seja qual for a sua duração. E a beleza dessa história é que nós, os protagonistas, estamos sempre mudando.
Você já percebeu isso? Desde a introdução até o desfecho, nós estamos em transformação. Não existe um único período de estabilidade na sua vida, você está em permanente processo de mudança. Heráclito dizia que é impossível um homem banhar-se duas vezes no mesmo rio, porque, da segunda vez, rio e homem já não serão os mesmos. Pois é assim que é. Olhe para as fotos que você já tirou, da sua infância até hoje. Quem desses que você vê é realmente você? Quem é “mais você”? O último? O de agora? Ou o que estava no ápice da forma física? Todos? Ou nenhum?
Nós mudamos a cada minuto, e isso pode ser uma evolução ou uma decadência. Alguns se tornam mais afáveis, mais tolerantes, outros se tornam amargos e tristes. Mas isso só acontece porque você sabe que, logo ali, há um limite. Você sabe que a trajetória terá um fim. Só não sabe QUANDO será. O que é ótimo. Porque, assim, você pode se esforçar para que cada capítulo seja melhor do que o anterior. No final inesperado, você talvez tenha contado uma linda história. Depende de você.