O brasileiro é um povo que gosta de bajular políticos. Na Europa parlamentarista, primeiros-ministros vêm e vão com naturalidade. Até Churchill, que foi Churchill, enfrentou seus reveses populares. Nos Estados Unidos, eles fazem reverência ao cargo, não ao homem que o ocupa. O presidente da República é uma pessoa comum, que pode ter de responder à Justiça na primeira instância, como qualquer outro cidadão, e que, depois de exercido o mandato, se retira para a planície. Os serviços que prestou são valorizados e lhe garantem até alguns privilégios, mas ninguém o considera superior.
No Brasil, por conta da nossa tradição populista, certos políticos ganham status de semideuses. Os brasileiros esperam que eles sejam heróis. Houve quem colocasse o apelido “Lula” como seu nome do meio. Imagine: a pessoa ama tanto aquele político que quer ser ele. O político toma conta da personalidade dela, como se fosse uma possessão.
O que os brasileiros querem é puxar alegremente o saco de seus políticos e encontrar argumentos para defendê-los, mesmo que a defesa seja absurda.
Outros chamam Bolsonaro de “mito”. Querem dizer, evidentemente, que Bolsonaro é uma espécie de entidade, um ser humano dotado de tantas capacidades extraordinárias que se transformou em lenda. Mas Bolsonaro não é autor de façanha alguma na vida pública ou fora dela, a não ser ter enfrentado e vencido o partido do outro político santificado, Lula.
Na verdade, pouco importa. Ainda que a crença ilógica nos super-poderes dos políticos tivesse nexo, não faria diferença. A coerência é desprezível, em matéria de fé. O que os brasileiros querem é puxar alegremente o saco de seus políticos e encontrar argumentos para defendê-los, mesmo que a defesa seja absurda.
Por isso, quando você critica Lula ou Bolsonaro você sempre será considerado canalha. Os bajuladores de um e outro não aceitam que seus ídolos tenham cometido erros; a crítica é que é mal-intencionada.
Faço todo esse prolegômeno para explicar como é penoso fazer crítica a políticos no Brasil. Não todos, claro. Os nossos extremos é que são terrivelmente suscetíveis.
Mas acredito na boa vontade das pessoas. Acho que elas podem enxergar pelo menos parte da realidade com algum distanciamento, apesar da paixão.
O que está acontecendo com o Brasil urge uma reflexão desse tipo.
Falo, agora, com o eleitor de Bolsonaro. Não é possível que os crentes em Bolsonaro, por devotados que sejam, considerem normal o comentário que ele fez a respeito da mulher do presidente francês, Macron. Se você não sabe o que foi, explico: um seguidor de Bolsonaro publicou no Twitter uma foto de Michelle Bolsonaro ao lado de uma de Brigitte Macron, insinuando que o presidente francês sente inveja do brasileiro porque a brasileira é mais bonita do que a francesa. Bolsonaro respondeu: “Não humilha, cara. Kkkkkkkk”.
Nesta terça-feira, percebendo a repulsiva descortesia de seu comentário, Bolsonaro negou que tivesse insultado Macron e Brigitte, e encerrou uma entrevista coletiva quando os repórteres insistiram em perguntar a respeito do assunto.
Ora, é evidente que Bolsonaro ofendeu o presidente da França e sua esposa. É evidente que ele foi grosseiro e mal-educado. E é evidente que ele não assumiu a responsabilidade pelos seus atos, ao negar o que fez.
Esse tipo de atitude é grave. Não é só mais uma gafe do presidente. Pode ser muito ruim não apenas para ele, Bolsonaro, mas para todo o país. E é isso que os bolsonaristas precisam ver. A bravata, a fanfarronice e o deboche podem ser úteis durante a campanha eleitoral, mas são péssimos depois que o cargo é alcançado. Bolsonaro não é mais só um deputado folclórico, nem um candidato exótico; ele é presidente do Brasil e tem o dever de se comportar como tal. Tudo o que o presidente fala e faz é observado, analisado e tem consequências. Se você é bolsonarista e quer que o Brasil dê certo, critique-o. Censure-o. Talvez assim ele entenda que o significado de “mito” é fábula, é fantasia, é algo que só existe na imaginação, enquanto os problemas do Brasil são bem reais.