Eu ganhava US$ 300 por mês para escrever o livro sobre a história dos Gre-Nais. Foi um acordo que fiz com a editora. Não é muito hoje em dia; não era muito na época. Na verdade, bem pouco. Tanto que, em geral, ia fazer as entrevistas a pé, a fim de economizar o dinheiro da passagem de ônibus. Foram mais de cem entrevistas. Ou seja: mais de cem caminhadas. Tudo bem, gosto de caminhar e achava que aquele livro tinha de ser escrito. Havia diversas histórias boas ansiosas para serem contadas, e não seria eu que as decepcionaria.
Aprendi coisas interessantes ao escrever aquele livro. Uma delas foi sobre a memória. É que quase todos os personagens que entrevistei eram pessoas em idade provecta. Conversando com elas, compreendi que a lembrança é uma construção pessoal, que, não raro, dispensa formalidades, como concordar com a realidade.
Às vezes, ao tentar contar como havia se dado determinado fato, encontrava versões diferentes de cada um dos personagens que tinham participado da história. E, ao consultar os jornais da época para confirmar o que ouvira, deparava com versões mais diferentes ainda. E agora? Quem estava com a razão? Quase sempre, todos estavam com uma parte da razão e nenhum com toda.
Outra: não foram poucas as oportunidades em que relatei para as pessoas coisas que elas mesmas haviam feito e das quais não recordavam mais. A memória, nesses casos, pode ser bastante condescendente.
Alguns velhinhos que entrevistei só lembravam de ocorrências antigas, outros só do que havia acontecido dias antes. Mas também encontrei uns com a memória intacta e límpida, atletas da memória.
Também me espantei com outra descoberta: a de que a história se move em círculos. Marx dizia que a história se repete a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. Não tenho certeza disso. Mas tenho certeza de que ela, a História com agá maiúsculo, não anda para a frente, não evolui em linha reta, ela avança e volta, avança e volta, como uma onda no mar.
No caso da bela história do Gre-Nal, renasceu agora um célebre debate do fim dos anos 1960: braulistas versus antibraulistas. Bráulio, o centro daquela discussão antiga, era um jogador de alta técnica que surgiu de forma alvissareira no Inter. Ele era ainda um guri de 17 anos de idade quando foi escalado em um Gre-Nal dificílimo para o Inter, porque o Grêmio tinha time melhor. Mesmo assim, Bráulio foi o destaque do clássico e o narrador Mendes Ribeiro começou a chamá-lo de “Garoto de Ouro”.
Ele não era, porém, um jogador atento às tarefas inglórias de marcação. Assim, o famoso grupo de dirigentes colorados chamado de “Mandarins” pregava a saída de Bráulio do clube e a escalação de outro meia, mais colaborativo, o Sérgio Galocha.
Os Mandarins se baseavam, exatamente, no arquirrival: o Grêmio construído por Foguinho nos anos 1950 conquistara 12 campeonatos em 13 por ter um futebol de intensidade, de solidariedade e de força.
Os Mandarins acabaram derrotando os braulistas. Nos anos 1970, o Inter adotou o futebol de preenchimento de espaços e sufocamento do adversário. Para os Mandarins, o jogador do clube tinha de ter duas de três qualidades: força, técnica e habilidade.
Teremos dois Gre-Nais na decisão da Copa do Brasil, guardo convicção disso.
Não podia ter uma só, deviam ser necessariamente duas. Melhor, claro, se fossem as três, como era o caso de Falcão. Assim, o Inter formou o melhor time da sua história, reconquistou o Rio Grande e conquistou o Brasil.
Hoje, essa discussão fermenta no lado do Grêmio. Teremos dois Gre-Nais na decisão da Copa do Brasil, guardo convicção disso. Então, de um lado veremos um meio-campo quase tosco, mas definitivamente forte: o Inter de Lindoso, Edenilson e Patrick. Nenhum deles é o que se chamaria de virtuose. Todos são dedicados e afanosos. Todos incomodam o adversário. Do outro lado, o futebol rivelinístico, ou, antes, braulista de Maicon, Jean Pyerre e Matheus. Se for assim, a história se repetirá. E já sei quem vai ser o vencedor.