Lula e Bolsonaro, Moro e Greenwald. Você pode ter boa vontade com os quatro, sem deixar de ver seus erros. Até porque eles estão inter-relacionados. Ou melhor: Lula está no centro desse sistema, como estava no daquele powerpoint famoso do Dallagnol. É por causa de Lula que os outros se movimentam, como satélites.
Lula está ladeado por terraplanistas da política. Como aqueles que acreditam que a Terra é plana, apesar de todas as provas em contrário, os petistas amam Lula incondicionalmente e os antipetistas o odeiam incondicionalmente. Não existe possibilidade de ponderação nesse assunto. Não existe boa vontade.
Como aqueles que acreditam que a Terra é plana, apesar de todas as provas em contrário, os petistas amam Lula incondicionalmente e os antipetistas o odeiam incondicionalmente.
Já eu aqui, que sei que o mundo é redondo e achatado nos polos e que sei que Lula não é santo nem demônio, eu aqui posso usar da boa vontade. Com ela, compreendo que Lula não chegou ao poder, Lula foi chegando. Neste processo, assimilou como o Estado brasileiro funciona: é um sistema que, há 500 anos, transita entre o paternalismo e o patrimonialismo.
Países parecidos com o Brasil, como os Estados Unidos, também fazem esse balanço, só que entre Estado e Mercado: ora o Estado é mais forte, como com Roosevelt; ora o Mercado, como com Reagan. No Brasil, o jogo se tornou viciado. Porque o Estado não dá proteção, dá privilégios. Assim, se beneficiam parte da classe dos trabalhadores e parte da classe dos empresários, sempre em detrimento do todo.
Lula e os intelectuais do PT, como Palocci e José Dirceu, perceberam que, para participar desse jogo, teriam de aceitar suas regras. Foi o que prometeram que fariam. E fizeram. Enquanto isso, o Brasil se estabilizava economicamente, graças ao Plano Real. E, numa última pincelada do azul da boa sorte (no caso, vermelho), a China entrou na OMC mais ou menos na mesma época em que Lula brindava com um cálice de Romanèe-Conti a sua ascensão ao poder.
Você consegue ver o quadro agora? O Brasil enfim livre da inflação e a China puxando a economia para cima, Lula com prestígio com as esquerdas e acertado com empreiteiros e banqueiros, um Congresso submisso, a oposição manietada. É um Monet!
A ideia de transformar o Brasil no líder de um bloco de países até então marginalizados na economia mundial era muito engenhosa. Tinha tudo para funcionar e manter o PT no poder por mais 40 ou 50 anos. O problema é que, para dar certo, o jogo tinha que continuar sendo sujo e os vencedores tinham que continuar sendo os mesmos.
Há um exemplo perfeito para provar o que digo: o Rio de Janeiro.
Vargas dizia que o Rio é o tambor do Brasil, e é mesmo. No Rio, os defeitos e as qualidades do país se acentuam quase como se fossem caricaturas. Pois olhe para o Rio do Pan, da Olimpíada, do Maracanã, do pré-sal e de Sérgio Cabral e você verá um resumo da farra patrocinada pelo consórcio espúrio do dinheiro público com o privado que sempre existiu e se profissionalizou nos tempos do PT.
Lula compreendeu esse sistema, nele ingressou com entusiasmo e, mais, se apropriou dos seus mecanismos de funcionamento. Não é por acaso que Maluf, Renan, Collor e Sarney o defendiam – Lula era a garantia de que tudo sempre continuaria igual.
Esse foi o maior pecado de Lula: ter se entregado sem pejo ao patrimonialismo histórico do país.
Seu mérito? Foi ter, em contrapartida, robustecido o paternalismo histórico do país.
Valeu a pena? Tudo vale a pena, em determinadas condições, como diria Fernando Pessoa.
Quanto a Moro, ele também tem seus terraplanistas. Falarei deles amanhã.