Acordei de madrugada. Quando você desperta no meio da noite, deve continuar na cama, ou o sono se evapora olhos afora e, depois, é mais difícil dormir outra vez. Mas era fim de semana. Então, levantei e caminhei até a sala, onde se abre a porta envidraçada que dá para a sacada. Queria espiar o silêncio.
Quando falo em silêncio, não exagero. Aqui onde moro, passam poucos carros. Mesmo de dia é quieto. Àquela hora, muito mais. Não por acaso, a rua detrás da minha casa chama-se Still Street. Rua Calma… Um nome de rua que tem de ser escrito com reticências.
Abri a porta. Estamos nas franjas do verão, a temperatura era amena, podia ficar impunemente ao ar livre, contemplando a cidade que dormia. Havia muitas estrelas faiscando no céu, e foi aí que lembrei de um poema que aprendi na infância:
“Ora, direis, ouvir estrelas! Certo perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto”.
Olavo Bilac. O Príncipe dos Poetas! Sempre gostei de Bilac. No fundo, sou um parnasiano. Na primeira vez que fui ao Rio, fiz questão de tomar um café na Confeitaria Colombo, o lugar preferido de Bilac, dentre todos os outros do planeta Terra. Sentei-me numa daquelas mesinhas vetustas e declamei, cheio de pose:
– Ora, direis, ouvir estrelas!
Mas agora faço uma confissão: ao aprender esse poema, no colégio, achei-o bonito, só que não exatamente forte. Força o verso ganhou quando o ouvi cantado por Belchior, numa de suas composições imortais, Divina Comédia Humana, que ele fecha com contundência, anunciando:
“Ora, direis, ouvir estrelas!
Certo perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto:
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não
Eu canto”.
Ficou linda a forma como Belchior reaproveitou o verso de Bilac e, naquela madrugada, ouvindo as estrelas, essa música começou a reboar na minha cabeça. Belchior queria poder dizer não. Em certos tempos sombrios, esse é um direito fundamental.
Mas, como Bilac, Belchior não escrevia apenas para a sua época. Ele escrevia sobre o que sentia. Dizia, nessa canção, que queria viver a divina comédia humana, “onde nada é eterno”, e essa é a grande frase do poema. Nada é eterno, nem as estrelas – algumas são só luz do passado. Muitas das que Bilac ouviu, no século 19, não posso mais ouvir agora.
Nada é eterno. Portanto, o certo e o bom é viver em paz a divina comédia humana.
Nada é eterno. Como diziam aqueles outros dois poetas de Liverpool, a vida é muito curta, e não há tempo para irritação e brigas, meu amigo.
Nada é eterno. Portanto, o certo e o bom é viver em paz a divina comédia humana.
Mas sem esquecer que, de vez em quando, se a noite se torna escura demais, também é importante dizer não.