Agora tenho de estudar matemática para ajudar meu filho na escola. A vida se movimenta em círculos. Quando entrei na faculdade de jornalismo, pensei que nunca mais enfrentaria essas questões pedregosas de ciências exatas. Não que não goste de matemática. Até gosto. Faço cálculos de cabeça rapidamente e orgulho-me de ter gravada no cérebro a fórmula de Bhaskara. Você pode me perguntar a fórmula de Bhaskara a qualquer hora, na rua, na chuva, na fazenda e responderei sem Google nem nada: xis é igual a menos bê mais ou menos raiz quadrada de bê ao quadrado menos quatro á cê sobre dois á.
Muito usei a fórmula de Bhaskara no colégio, embora não saiba para que serve. Deve ser algo importante, ou não nos obrigariam a decorar isso. Um dia a fórmula de Bhaskara será de grande valia para mim e me regozijarei por levá-la sempre comigo, como a carteira de identidade.
Não lembrava mais de certas contas básicas, como a soma de frações com denominadores diferentes. Um homem tem de saber somar frações com denominadores diferentes. Então, socorri-me do YouTube e aprendi em menos de cinco minutos, sério. Fiquei radiante com minha capacidade de aprendizado. Hoje, somo uma fração com denominador diferente que é uma beleza.
Mas não são os conteúdos deste ano que me preocupam. O que me inquieta é o futuro. É o que virá.
Mas não são os conteúdos deste ano que me preocupam. O que me inquieta é o futuro. É o que virá. Meu filho está só na quinta série. E depois, quando tiver de rever, por exemplo, a lei dos cossenos? Nunca fui bom na lei dos cossenos. Trigonometria me dá medo, para falar a verdade. Todas aquelas tangentes e cotangentes.
Agora me ocorre que chegará o dia em que teremos de estudar álgebra linear. Se não me engano, é na álgebra linear que a gente usa colchetes. Por Deus, faz uns 40 anos que não uso um colchete. Será horrível quando tiver um colchete bem diante de meus olhos e não souber o que fazer com ele.
Tenho pensado muito nesse meu inevitável reencontro com os recônditos obscuros da matemática. No segundo grau, no Colégio Piratini, quase rodei em matemática. Peguei recuperação. A professora, dona Íria, era braba, todo mundo tinha medo dela. Um dia, depois da aula, quando eu ia saindo, ela me chamou de canto e advertiu, bem séria:
– Tu tens duas semanas até a prova. Ou estudas todos os dias, o dia inteiro, ou vais repetir o ano.
Engoli em seco. Fui para casa convencido: vou ter que estudar. Eu não era de estudar (não conte para o meu filho). Se passava raspando, estava bom. Mas, naqueles 15 dias, foi diferente. Meu amigo Fernando Araújo, que era ótimo em matemática, tanto que hoje é engenheiro dos bons, ia todos os dias lá para casa, para me ajudar. Estudei, estudei, estudei, sonhava com matemática. Acordava no meio da madrugada pensando em coisas como: “Se um ponto pertence a uma reta e é representado por um número real, dizemos que o espaço onde esse ponto está localizado possui apenas uma dimensão e o número real é chamado de coordenada do ponto”.
Valeu a pena. Na hora da prova, eu sabia tudo, tudo. Tinha de tirar oito. Eram 10 questões. Mas fiz só as oito de que precisava. Entreguei a prova com duas questões em branco, só de exibido. A professora Íria olhou para a prova e estranhou:
– Não vais fazer essas duas?
E eu, levantando uma sobrancelha de imodéstia:
– Já tenho oito certas…
Foi a glória. A glória!
Mas, hoje, leio aquela frase que reproduzi acima, sobre o ponto que pertence a uma reta, e não sei lhufas do que significa. Estou a cada dia mais apreensivo. Já dei uma olhada nos livros de matemática da sexta e da sétima séries. São assustadores. Noite dessas, acordei suado e gritando:
– Odeio a bissetriz dos quadrantes ímpares!
Não consegui mais dormir. Fantasmas do passado me assombravam. A vida, realmente, se movimenta em círculos.