Averdade é que tenho de emagrecer uns dois quilos.
Talvez três.
Não passa de quatro.
No máximo, cinco.
Mas reconheço que ficaria feliz se perdesse seis.
A questão é: como fazer isso, em meio ao inverno inclemente do norte do mundo?
Sei que você está reclamando do calor aí, mas, aqui, no exato momento em que puxei a perna da terceira vírgula desta frase, fazia 16 graus abaixo de zero e a sensação térmica é de -27°C. Ou seja: calorias urgem.
Agora, no frio do Norte, ri ao recordar aquela antiga madrugada.
Claro que as casas têm aquecimento, sem aquecimento todos empedraríamos, mas, ainda assim, os dias pedem comidas densas. Por isso, ontem preparei um sopão.
Importante: não sopa, sopão. O que significa que tinha de um tudo dentro: tubérculos e folhas de couve e espigas de milho e, é evidente, generosos pedaços de carne, que, depois de ferverem e referverem, tornaram-se tão macios, que os cortávamos com a colher. Esses nacos de carne, você deve saber, deverão ser temperados com mostarda amarela ou mesmo marrom, na hora da refeição. Ah, e sobre todo o prato fumegante você espargirá queijo parmesão ralado na hora. E, para acompanhar, um bom tinto, de preferência malbec.
Foi isso o que fiz e, enquanto fazia, recordei-me de que, nos anos 80, depois da esbórnia, na última curva da madrugada, íamos repor as energias com poderosos sopões. Havia vários restaurantes prontos para nos receber nas altas horas. Ali perto do Largo da Epatur, inclusive, havia uma casa que permanecia aberta até de manhã e que se chamava, exatamente, Sopão. Um dia, por volta das cinco da madrugada, eu e o Sérgio Lüdtke fomos lá. O lugar estava cheio, mas nós conseguimos uma mesa, nos acomodamos e logo chegaram nossos aromáticos pratos de sopa. Oh, que delícia. Começamos a comer e, já na primeira ou segunda colherada, um grito reboou pelo ambiente:
– Tem duas bichas aqui!
Levantei a cabeça e vi, apoiado no balcão, o dono da voz: era um negão de uns dois metros de altura, com o braço da espessura da minha coxa, nariz achatado de boxeador e dentes rilhados de quem sente raiva, muita raiva. Fiquei pensando se não estaria olhando para a nossa mesa, quando ele repetiu, com o vozeirão de Jeová no Monte Sinai:
– TEM DUAS BICHAS AQUI!
Levando criteriosamente a colher à boca, espiei com cuidado por cima da cabeça do Sérgio, tentando me certificar se ele estava olhando para nós e, sim, a resposta foi sim. Ele olhava diretamente para os meus olhos e para a nuca do Sérgio e mais uma vez berrou:
– TEM DOIS VIADOS AQUI!!!
Era uma voz poderosa. O restaurante inteiro ficou paralisado ao ouvi-la, ninguém se mexia, ninguém respirava, ninguém, a não ser o Sérgio, que sorvia a sopa ruidosamente.
– TEM DOIS VIADOS AQUI!!! – urrou outra vez o monstro.
O Sérgio finalmente ergueu a cabeça, olhou para mim e perguntou:
– Somos nós?
– Acho que sim – sussurrei. – Vamos embora.
– Mas eu nem comi o meu milho…
– Sabe o que é que tu faz com esse teu milho! Vamos embora, antes que a confusão comece!
E fomos. Não dizem que cautela e canja não fazem mal a ninguém?
Agora, no frio do Norte, ri ao recordar aquela antiga madrugada. E pensei que é muito menos perigoso o risco de engordar um ou dois quilos com um prato generoso de sopa. Mas é muito menos divertido.