O breve discurso de Bolsonaro na Montanha Mágica produziu decepção mundial, e com razão. Bolsonaro não é bom de oratória. Faltam-lhe a naturalidade de Lula, a energia de Collor, a malícia divertida de Brizola, a cultura de Jânio. Bolsonaro fala olhando para o lado, como se estivesse envergonhado. Parece que está lendo um texto que não escreveu e, pior, não decorou.
Alguém dirá que mais importante do que falar é fazer. É verdade. Mas, muitas vezes, é falando que se faz. No caso de um homem que ocupa cargo tão importante, tudo o que ele fala e faz produz efeitos.
Talvez Bolsonaro ainda não tenha compreendido o tamanho do posto que ocupa.
Discursos mudaram o rumo da humanidade. Tenho para mim, como lema, um discurso de Churchill, em que ele esbraveja: “We shall never surrender!”. Nós nunca nos renderemos! Quando Churchill pronunciou essa frase imortal, a II Guerra parecia perdida. Hitler estava prestes a tomar a França e praticamente todo o continente europeu se submetera ao poderoso exército alemão. Sobrava, isolada e irredutível, a Ilha, contida dentro de seus limites desde a dramática retirada de Dunkirk. Sozinha naquele momento, a Ilha resistiu até que, como previu o próprio Churchill, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, deu um passo à frente para o resgate e a libertação do Velho.
Se estou em alguma dificuldade, repito para mim mesmo essa sentença que Churchill usou como anáfora, “we shall never surrender!”, e sigo em frente.
Em Washington, diante do Lincoln Memorial, está gravada no chão de granito uma frase que Martin Luther King pronunciou exatamente naquele ponto, para 250 mil pessoas, em 1963: “I have a dream”. Eu tenho um sonho.
Essa frase se tornou o maior símbolo da campanha pelos direitos civis dos negros americanos, todos a conhecem, meu filho vive a repeti-la e fez questão de tirar uma foto ao lado da pedra em que ela está inscrita, quando visitamos Washington, neste ano. Mas, por ironia, King hesitou até a última hora em torná-la o centro da sua manifestação. Durante dias, o discurso foi escrito e reescrito. Na véspera, alguns assessores de King o aconselharam a não dizer que “tinha um sonho”. Para eles, essa expressão era batida e havia sido usada muitas vezes por King. Foi ele, sozinho, quem decidiu. Dizem que, horas antes do discurso, King repetia baixinho para si mesmo: “Eu tenho um sonho, eu tenho um sonho, eu tenho um sonho…”.
I have a dream!
Kennedy, vendo o discurso pela TV, reconheceu:
– Ele é danado de bom!
Sabia que a História estava sendo feita naquele momento. Feita com palavras.
Palavras fazem toda a diferença.
Bolsonaro perdeu uma oportunidade preciosa de se afirmar perante o planeta. Ele se preparou mal para ir a Davos, talvez porque ainda não tenha compreendido o tamanho do posto que ocupa, talvez porque ainda não tenha compreendido que tudo o que ele agora diz ou deixa de dizer tem significado. Talvez porque ainda não tenha compreendido que o mundo é muito maior, mais complexo e mais sofisticado do que todos os posts de todas as redes sociais.