Sinto uma angústia profunda quando um jogador marca três gols no domingo e vai pedir música no Fantástico. Porque nunca, nunca, NUNCA conheço aquelas músicas que eles pedem. Em geral, é algo sertanejo, produzido nas linhas de montagem de canções de Goiânia. Ou gospel. Às vezes, funk. É o gosto popular do inquieto Brasil do século 21.
Gostaria que, um dia, um jogador, digamos o Rafael Sobis, que marca muitos gols, pois gostaria que um dia o Rafael Sobis fizesse três gols no domingo e pedisse para o Fantástico:
— Gostaria de ouvir o Noturno número 9, de Chopin.
Se você fizer isso, Rafael Sobis, vai ser mais festejado do que se tivesse conquistado um título.
Claro que nenhum jogador de nenhum país em nenhum tempo pediria o Noturno número 9, de Chopin, ao marcar três gols. Jogadores são jovens que, em geral, brotam do caule do povo, e as preferências populares são sempre muito singelas.
Para se comunicar com a massa, você tem de ser direto, claro e literal. Ao descobrir isso, o jornalismo americano inventou o lide: toda matéria tem de responder a cinco perguntas, de preferência já na primeira frase: quem, quando, onde, como e por quê.
"O Grêmio vacilou no primeiro tempo, mas se recuperou no segundo e venceu o Ceará de virada, por 3 a 2, ontem de manhã, na Arena, subindo para 47 pontos na tabela do Brasileirão”".
Em uma única sentença, você fornece as informações básicas para o leitor que tem preguiça de ler.
O texto ideal, para capturar o chamado leitor médio, haverá de ser reto como o caminho da virtude e seco como o chão do Sertão, com frases curtas, sem adjetivos, apostos ou enfeites. Se você fizer uma curva, o leitor se perderá e ficará pelo caminho, perdido entre o segundo e o terceiro parágrafos.
Foram os americanos, conhecedores da alma das massas, que inventaram essa técnica. Mas foram também eles que constataram que não era suficiente. Assim, nos anos 60, Truman Capote mesclou jornalismo e literatura em seu livro A Sangue Frio. O "lide" do romance-reportagem de Capote era mais romance do que reportagem:
O povo não tem tempo a perder com digressões ou filosofias. Por isso o povo ouve o que ouve, lê o que lê e vota como vota.
"A cidade de Holcomb fica nas planícies do oeste do Kansas, lá onde cresce o trigo, uma área isolada que mesmo os demais habitantes do Kansas consideram distante".
Lá onde cresce o trigo. Há poesia entre aquelas duas vírgulas aparentemente vulgares.
O livro de Capote fez estrondoso sucesso, o jornalismo literário faz algum sucesso, mas as massas, as massas de verdade, o ignoram. As massas, hoje, leem, no máximo, 280 caracteres no Twitter.
O povo tem pressa. O povo não tem tempo a perder com digressões ou filosofias. Por isso o povo ouve o que ouve, lê o que lê e vota como vota. Não espere Truman Capote do povo. Nem Churchill. Nem Chopin. Espere, quando muito, Munhoz e Mariano.