Foi como se tivesse visto o mar pela primeira vez. Já li relatos que descrevem esse momento, o menino que nunca viu o mar, de repente, depara com a imensidão do oceano e se deslumbra. Também eu devo ter ficado fascinado à primeira visão do Atlântico, mas não me lembro dela. Lembro-me desta outra cena a que me refiro: a primeira vez em que entrei em um estádio de futebol lotado.
Era meu avô quem me levava pela mão, era o Estádio Olímpico, era um jogo noturno e, o melhor de tudo, era um Gre-Nal. Quando chegamos à arquibancada, aquele quadro se abriu diante de mim: o estádio bramia como se houvesse ondas, e, na verdade, havia: enormes vagas azuis de um lado, enormes vagas vermelhas de outro, tendo, embaixo, o verde da grama como contraste. Não me lembro do resultado da partida, lembro-me daquela pintura.
É o melhor jogo para se ver, o mais bonito, o mais emocionante, o maior de todos. Não há, nunca houve, jogo como o Gre-Nal.
A quantos Gre-Nais assisti, de lá para cá? Mais de 200, por certo. Mas acontece um fenômeno estranho: não sei se vi mesmo os primeiros Gre-Nais que estão registrados na minha cabeça ou se os imaginei usando pedaços do que me foi contado sobre eles.
Se fosse confiar apenas na memória, teria certeza de que testemunhei uma atuação histórica de Alcindo, o Bugre Xucro, em um clássico que o Grêmio venceu por 4 a 0, em 1968. Neste jogo, Foguinho era o treinador do Inter, e os colorados pregaram nele a culpa pela derrota. Há uma cena melancólica de Foguinho no fim da partida, sentado sozinho no banco de reservas, cercado de laranjas que lhe foram atiradas pela torcida em fúria. Tenho certeza de que vi isso. Mas não vi. Era muito pequeno e não estava nesse Gre-Nal. Como é que esta cena foi parar no fundo do meu cérebro, acompanhada de tantos detalhes? Tenho uma teoria: criei-a a partir do que meu avô me contava sobre essa partida. Ele gostava muito do Foguinho e a forma como o descreveu, aboletado tristemente no banco, deve ter me causado forte impressão.
Os Gre-Nais dos anos 1970, esses sim, recordo à perfeição e sei que os assisti. Um dos que mais me marcaram foi aquele em que a torcida do Grêmio festejava nas arquibancadas com o jogo já se derramando pelos últimos 15 minutos, e então um grupo começou a debochar dos colorados, gritando:
– Escurinho! Escurinho!
E não é que, naquele exato instante, Escurinho e Claudiomiro saltaram do banco de reservas e correram para a pista, a fim de entrar em campo? A torcida do Inter, até então quieta, ergueu-se em bloco nas arquibancadas de pedra, o movimento dos corpos e das vozes fazendo o estádio rosnar como um bicho que acorda de sobressalto. E, em um segundo, gritos e assobios em uníssono partiram da metade vermelha da torcida:
– Colorado! Fiu, fiu, fiu! Colorado! Fiu, fiu, fiu!
Gostava mais daquele antigo grito de guerra da torcida do Inter. A torcida do Grêmio, ouvindo-o, sentou-se, tensa. Todos sabiam o que ia acontecer, e aconteceu: no último minuto, Valdomiro voou pela ponta direita, da linha de fundo cruzou a bola de viés, para trás, e ela encontrou o cabelo black power do Escurinho à altura da segunda trave. Gol.
E também houve as brigas históricas de 1977, o salto mortal que quase mata André Catimba, o jogo em que o Inter entrou no gramado todo de vermelho, levou goleada e aposentou o uniforme para sempre, Valdomiro fazendo dois gols em Corbo, Jurandir marcando Falcão e tanto mais, tanto mais, até que o Gre-Nal virou trabalho para mim. Agora, olho o jogo com a parcimônia de quem analisa. Mas o encantamento continua, ainda me sinto como naquele primeiro clássico, vendo o campo se desvendar para mim, levado pela mão do meu avô. É o melhor jogo para se ver, o mais bonito, o mais emocionante, o maior de todos. Não há, nunca houve, jogo como o Gre-Nal.