Tenho uma amiga brasileira que é casada com um alemão. Tempos atrás, ela o levou para visitar Porto Alegre. Ficaram na cidade por cerca de um mês, foram a jantares nas residências de amigos e parentes dela, ele teve a chance de conhecer as pessoas e ver como se vive no Brasil. Ao voltar para a Europa, minha amiga perguntou-lhe se algo o havia surpreendido no país.
– Sim – respondeu ele. – As casas não têm livros.
Para o alemão, uma surpresa. Para mim, não. Porto Alegre, tida e havida como a cidade mais culta do Brasil, vem recuando em direção às trevas, e faz tempo.
Ontem, no Timeline, da Gaúcha, contei a respeito de um caso ilustrativo dessa nossa jornada rumo à tacanhice. É um pedido de socorro feito por moradores do IAPI. Tem a ver com um lugar que me é especialmente caro: a Biblioteca Pública Romano Reif.
Essa biblioteca nasceu no ventre de pedra dos blocos de edifícios da Coorigha, que se levantam diante da antiga venda do seu Zequinha, atual loja do Brasinha Pneus. Estava atarraxada entre o salão de festas, onde fazíamos reuniões dançantes e eu arrasava nas músicas lentas, e o pequeno escritório da síndica, a dona Neli. Durante muito tempo, a biblioteca foi mantida pelos moradores do condomínio. Mais tarde, terminou incorporada pelo município e transferida para a Avenida Industriários, em frente ao campo do Alim Pedro, palco de meus lançamentos de 60 metros, estilo Roberto Rivellino, fazendo a bola se debruçar, mansa e precisa, no pé do ponta Jorge Barnabé.
Qual foi a última vez em que a cidade de Porto Alegre fez uma compra de livros?
Eu dizia ter lido todos os livros da biblioteca. Claro que era exagero, a verdade é que li todos os que me interessavam, centenas deles, talvez milhares, não sei. De qualquer forma, me diverti muito, graças àquela biblioteca, e aprendi um tanto, também.
E hoje a Biblioteca Romano Reif agoniza. Um dos e-mails que recebi dos moradores do bairro relata o seguinte:
"Em abril de 2016, foi pedido à Smov que fizesse a poda anual de uma falsa figueira que fica no terreno da biblioteca. O pedido não foi atendido. Com os temporais, galhos foram arrancados e quebraram-se as telhas. Há infiltração nas paredes, mofo e goteiras. Cerca de mil livros já foram perdidos. Os computadores foram molhados, não podem ser ligados, pois há risco de curto. A secretaria do município diz que não pode consertar o telhado e as salas até a Smov podar a árvore. A Smov diz que já foi feito o levantamento, que é preciso aguardar. E assim vai ficando tudo como está. É triste entrar e ver lonas pretas por cima dos livros, ver as paredes e o teto com infiltrações, deixando um aspecto sujo, e saber que ainda muitos livros serão perdidos se nada for feito logo".
Eis a capital mais culta do país.
A propósito, e já que estamos em meio à Feira do Livro, faço algumas humildes perguntas a nossas autoridades, ao prefeito Marchezan, ao governador Sartori, a ex-prefeitos e ex-governadores:
Qual foi a última vez em que a cidade de Porto Alegre fez uma compra de livros?
E o Estado do Rio Grande do Sul, qual foi a última vez? Disseram-me que foi há 20 anos... Será verdade?
Nesses 20 anos, quantas bibliotecas foram erguidas pela prefeitura e pelo Estado?
Agora pergunto a você, cidadão, eleitor e contribuinte: alguma vez você viu algum político, qualquer político, falar em "livros", no Rio Grande do Sul?
Bibliotecas abandonadas, casas sem livros, indiferença das autoridades. O atraso. A escuridão.