Vou interromper o que escrevia sobre a magia das mulheres porque, como dizia Camões, cesse tudo o que a musa antiga canta, que outro valor mais alto se alevanta.
Refiro-me à polêmica sobre museus-arte-pornografia, que tem estremecido o país nos últimos dias. Começarei com uma afirmação peremptória e seguirei com ponderações. A afirmação:
Nós não podemos, em nenhuma hipótese, defender o fechamento de museus.
Nós, que digo, é a comunidade. Uma comunidade minimamente civilizada tem de preservar seus museus. Um museu é como uma biblioteca. Aqui em Boston, há uma biblioteca pública com acervo de 15 milhões de livros. Entre esses, certamente, há milhares, milhões que eu não leria, com os quais não concordaria e que talvez até odiaria. Mas não é por isso que vou querer o fechamento da biblioteca, não é? Seria estupidez.
Um museu é a mesma coisa.
Isso não quer dizer que considere que aquele homem pelado deitado no chão do MAM tenha algum valor artístico. Não tem MESMO. As obras do Queermuseu que foram expostas no Santander também são muito ruins, assim como um monte de porcarias que foram espalhadas pelas ruas de Porto Alegre, num legado maldito da bienal.
Porto Alegre certamente é uma das cidades com as mais horrorosas obras de arte públicas do mundo. Com o detalhe: são PÚBLICAS. Quer dizer: você é obrigado a ver.
Nada disso serve como justificativa para fechar um museu, interromper uma mostra ou censurar uma peça de teatro.
Num museu, não. Ninguém é obrigado a ir a um museu. No caso do peladão de São Paulo, havia até cartazes advertindo que a mostra não era para crianças. Então, deixem o museu em paz.
O que esses pretensos artistas querem é, exatamente, chocar. Ou se cevar na babaquice intelectual. Porque, quando uma obra de arte só se justifica pelo seu suposto significado, ela perde a relevância, ela deixa de ter sentido. Você pega uma tela em branco, pinga um pontinho preto no meio e diz que aquilo representa a insignificância humana diante do infinito do universo. Aí os entendidos babam: "Profundo". Bobagem. Uma tela branca com um pontinho no meio é só uma tela branca com um pontinho no meio.
Hoje, porém, é muito fácil fazer polêmica. O pessoal LGBT, por exemplo, descobriu as delícias de ofender quem é religioso – como se não houvesse LGBTs religiosos.
Agora mesmo, foi levada a Porto Alegre aquela peça do Jesus transexual. Entrevistamos a diretora da peça no Timeline e ela reconheceu que a ideia é, sim, provocar os cristãos. Perguntei se não seria um desrespeito aos cristãos e ela respondeu que a peça era fechada em um teatro, era paga e ia quem queria. Perguntei se piadas com gays poderiam ser feitas nas mesmas circunstâncias e ela disse que sim. Mas, coincidentemente, dias antes, um comunicador gaúcho estava em uma apresentação fechada e fez uma piada com gay. Alguém gravou com celular, postou no YouTube e a comunidade LGBT se ergueu em revolta. Ou seja: cada um defende a sua liberdade e cassa a do outro.
Então, vou resumir: arte contemporânea em geral é péssima, tem muita coisa ruim por aí, muita coisa feita só para provocar, sem nenhum valor estético ou intelectual, tem, inclusive, muito artista que simplesmente desrespeita outras pessoas. Mas nada disso serve como justificativa para fechar um museu, interromper uma mostra ou censurar uma peça de teatro.
Em um dia de Carnaval do fim do século 15, o frei Savonarola convenceu o povo de Florença a atirar em uma imensa fogueira objetos que ele classificou como pecaminosos. Entre esses objetos havia cosméticos, espelhos, roupas de luxo, livros e obras de arte. Até o grande pintor Sandro Botticelli se deixou inflamar pelo discurso do religioso e jogou no fogo alguns de seus quadros. Savonarola dizia que aquela era "a fogueira das vaidades". De fato, algumas vaidades dos florentinos devem ter sido devoradas pela fogueira. Mas suas chamas serviram, muito mais, para iluminar a burrice.