A primeira frase que meu filho disse, ao acordar na sexta-feira, foi:
– Tomara que aquele guardinha fale "Happy Friday".
Estava se referindo ao guarda de trânsito que encontramos todas as manhãs, quando o levo para a escola.
É um guarda animado, realmente. Enquanto atravessamos a rua, ele sempre nos atira um bom-dia com dois pontos de exclamação. É legal. Nas sextas-feiras, mais legal ainda, porque o cumprimento vem numa fórmula americana, o "Happy Friday" a que se referiu o Bernardo.
Para os americanos, a sexta é um dia especial. Para nós, brasileiros, também, decerto, sobretudo se formos solteiros. É que a sexta, para o solteiro, significa que tudo pode acontecer. Lembro de uma, de priscas eras. Eu trabalhava na Livraria Sulina e, naquela noite, não haveria aula. Não tinha nada para fazer. Então, no fim da tarde, meio que de brincadeira, sem nenhuma pretensão, comentei com uma colega morena de pernas torneadas sob o vestidinho verde:
– Ah, esta sexta-feira está pedindo uns chopes... Quando é que nós vamos tomar uns chopes?
Nunca tinha derramado o meu charme do IAPI sobre aquela colega. Achava-a atraente, mas não nutria expectativas. Por isso, foi uma surpresa quando ela respondeu:
– Que tal hoje?
Olhei para o firmamento e pensei: gol do Brasil.
Saímos, bebemos uns chopes e aquela sexta-feira só foi terminar meses depois.
Mas não é sempre que o deus Baco está nos oferecendo néctar e ambrosia, houve inúmeras sextas-feiras de arroz com linguiça e Charles Bronson na TV. O que não significa que tenham sido ruins, porque, afinal, eram sextas-feiras.
Por isso, os americanos têm esse cumprimento, "Feliz sexta-feira", e por isso meu filho queria que o guardinha nos saudasse dessa forma. Era como uma senha, um código. Se ele disser Happy Friday, a Friday será happy. Só que não havia certeza de que ele diria, porque as férias escolares terminaram agora, passamos seis sextas-feiras no Brasil, tudo podia ter mudado, o guardinha inclusive poderia ter sido transferido e não estar mais naquela esquina.
Mas estava.
Já fora de casa, caminhando pela calçada, avistamos o guardinha postado no cruzamento lá adiante. Questionei: ele vai dizer? Olhei para o meu filho e percebi que ele pensava a mesma coisa.
O guardinha ainda não nos tinha visto. E lá íamos nós, sentindo no rosto o ar fino de setembro, debaixo do céu de um azul perfeito, sem a pincelada de uma única nuvem. Olhando para aquele céu, contei para o meu filho a respeito de uma antiga música em que o Roberto Carlos assobia, pergunta para a moça por que ela está tão triste assim e, a fim de consolá-la, aconselha: "Olhe o céu azul, azul até demais...". A irmã do meu amigo Fernando Araújo sempre chorava ao ouvir essa música, mas eu ficava pensando: por que azul "demais"? Seria uma queixa colorada do Rei?
Seja. É uma música bonita.
Agora andávamos a poucos metros do guardinha. O sinal estava aberto para nós e ele, ainda sem demonstrar nos reconhecer, fez um gesto para que avançássemos. Seguimos olhando para ele, esperando o cumprimento, mas ele se virou para controlar os carros que vinham do outro lado.
Meu filho ficou meio aflito. Observei:
– Sexta-feira sempre é um bom dia. Até quando a gente trabalha madrugada adentro.
Falava com conhecimento de causa, porque nos velhos tempos do jornalismo nós enfrentávamos o famoso "pescoção das sextas-feiras": fazíamos duas edições do jornal, a de sábado e a de domingo, e não raro saíamos da Redação às quatro da manhã. Uma vez, quando trabalhava no Diário Catarinense, escrevi 26 matérias numa noite de sexta. Por Deus.
Na Zero Hora d'antanho, no tempo do apóstrofo, nós saíamos da Redação depois da meia-noite das sextas e corríamos para o Birra & Pasta, restaurante da Eleonora Rizzo encarapitado nos altos do Praia de Belas Shopping. A Eleonora deixava o restaurante aberto só para nós e lá nós ficávamos, bebendo, comendo, dançando e cantando, até que os primeiros raios de sol do sábado lambessem as águas marrons do Guaíba. Tempos de glória.
Por isso, nada de desânimo numa sexta.
O problema é que nós já íamos alcançando a outra margem da avenida e o guardinha nem tinha nos olhado. Estávamos até conformados, o meu filho suspirou, eu suspirei e, nesse momento, como se tivesse ouvido nossos suspiros, ele se virou e gritou:
– Happy Friday, guys!
Respondemos em coro:
– Happy Friday!
E seguimos nosso caminho sorrindo. Como são boas as sextas-feiras.