Ergui a sobrancelha esquerda. Espetei o dedo indicador em direção ao firmamento. E anunciei com solenidade:
– Agora, meu filho, vou te levar para comer o melhor cachorro-quente do mundo.
Ele arregalou os olhos:
– Uau.
E lá fomos nós. Pisávamos na calçada irregular da Avenida Independência, a umas cinco ou seis quadras de distância, e decidimos ir a pé, que faz bem para a saúde. Fui apontando para o belo casario do século passado, hoje quase em ruínas, que decora trechos da rua:
– Aqui viviam os estancieiros ricos do Rio Grande do Sul. Eles tinham suas terras no sul do Estado, onde os bois pastavam devagar e o tempo passava mais devagar ainda. Lá, ganhavam dinheiro; aqui, gastavam dinheiro.
– Devia ser uma rua bonita – ele comentou.
– Era... Era bonita... – divaguei, meio nostálgico. – Olha aqui – apontei para a esquerda. – Aqui tinha um restaurante que ficava aberto a noite inteira. Muitas vezes vim a este lugar na última curva da madrugada, para tomar sopão e restaurar as forças exauridas depois da esbórnia.
– Madrugada é hora de dormir – ponderou meu filho, com o que concordei.
– Lá do outro lado da rua – indiquei com a cabeça. – Na esquina. Lá havia um dos mais famosos bares alemães da cidade. Porto Alegre já foi uma cidade mais germânica, uma cidade que usava trema e muitas consoantes... Aquele bar servia um filé rahmschnitzel que a gente comia aos soluços, de tão bom.
– Aaah... Um filé... – suspirou aquele carnívoro mirim.
– Neste bar, uma vez, um amigo meu foi flagrado pela namorada dançando em cima de uma mesa abraçado a duas mulatas, durante um Carnaval.
Antes que meu filho perguntasse o nome do amigo e quisesse me obrigar a cometer uma indiscrição, anunciei:
– Chegamos!
Ele olhou para a frente. Impostei a voz para causar impacto:
– Cachorro-quente do Rosário! O melhor cachorro-quente do mundo!
– Por que Rosário?
– Por causa deste colégio – bati com a palma da mão na parede vetusta. – Um dos colégios tradicionais da cidade. Meu amigo Diogo Olivier estudou no Rosário. Aprendeu muitas coisas, entre elas a comer o cachorro-quente ali da carrocinha sem deixar uma única ervilha cair no chão.
– E o que é que isso tem de importante?
– Você verá, garoto.
Como jantaríamos mais tarde, pedi dois mínis com duas salsichas e tudo dentro, sem restrições.
– Mais molho! – eu instava, enquanto o atendente preparava o cachorro. – Mais queijo! Muito mais queijo!
Sentamo-nos em um banco da praça para comer. A calçada é larga, tem pelo menos cinco metros. O lugar estava limpo e bem cuidado. Atrás de nós, uma moça brincava com dois cachorrinhos minúsculos e mais adiante um casal de namorados arrulhava. Achei tudo muito civilizado.
– Porto Alegre não está tão ruim assim – comentei mais para mim mesmo do que para meu filho. Mas ele ouviu e, como está numa fase ufanista, esbravejou:
– Não fala mal da minha cidade!
– Não falei mal – me defendi. – Eu só queria dizer que...
Não completei a frase, porque ele já não prestava mais atenção em mim e sim na quantidade de molho que lhe lambuzava o rosto e o pescoço e o peito e até os tênis.
– Meu Deus! – exclamou.
– Viu como é importante aquele aprendizado do Diogo?
Gastei uma dúzia de guardanapos para limpá-lo. Fomos embora caminhando pela avenida.
– Gostou? – perguntei.
– Melhor que o hot dog clássico americano.
Sorri, contente. No próximo passeio, vou revelar a ele os mistérios da Rua da Praia e, quem sabe, levá-lo para jantar aquela à la minuta que o Jorge Barnabé jura ser a melhor da cidade.