Nunca houve, no Rio Grande amado, um time que jogasse como o Grêmio está jogando. Nem a melhor equipe gaúcha de todos os tempos, o Inter dos anos 1970.
Se fosse escalar uma seleção dos melhores jogadores que vi em campo, três seriam daquele time: Manga com seus dedos em garra no gol, Figueroa com seu cotovelo de aço na zaga-central e Falcão com seu queixo erguido na volância.
Era um time que vinha de uma ideia, de uma lógica que havia se tornado central no futebol gaúcho desde que Foguinho começara a escalar "homens grandes" no Grêmio dos anos 1950.
O Grêmio enfiou 12 campeonatos de 1956 a 1968, na Era Olímpico, mas então o Inter aprontou o Beira-Rio e convocou uma nova geração de dirigentes para assumir o clube, os chamados Mandarins.
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Esses Mandarins estabeleceram um paradigma: jogador, para calçar a botina no Inter, tinha de ter duas de três qualidades: habilidade, velocidade e força. Podia ser um jogador habilidoso e veloz, mas não forte, como Lula; podia ser habilidoso e forte, mas não veloz, como Figueroa; podia ser veloz e forte, mas não habilidoso, como Dario. Só não podia ter apenas um desses predicados. Foi aí que Bráulio, que era habilidoso, mas não veloz nem forte, acabou sendo mandado para o América do Rio, gerando trepidante polêmica na província.
O Grêmio de Luiz Felipe seguia mais ou menos essa regra. O presidente Koff gostava de dizer que, em futebol, "não existe uma única fórmula, mas é preciso ter uma fórmula". O Grêmio de Koff, Felipão e Cacalo tinha. Jogava como uma gaita: abria-se para atacar, fechava-se para defender. Os jogadores sabiam que deviam correr sem a bola e, o principal, sabiam para onde deviam correr.
Certa vez, na Copa de 2002, fui testemunha de uma cena que me deixou espantado. Era um treinamento comum, realizado antes de a Copa começar, em Ulsan, na Coreia do Sul. Ronaldo já era Ronaldo, já era o Fenômeno, a maior estrela da Seleção e da competição. Luiz Felipe, porém, não fazia a menor concessão a esse prestígio. Durante o treino a que me refiro, pegava-o pelo braço e, falando alto, quase gritando, mostrava:
– Olha aqui, ó: é aqui que tu tens de te posicionar!
O treino prosseguia, a bola voava de um lado para outro, Ronaldo corria e Luiz Felipe apitava de novo, parando tudo, agarrando outra vez o braço do centroavante e levando-o até um quadrante do gramado:
– Não é por aí! É por aqui! É assim que tu tens de correr!
Ronaldo, com admirável humildade, ouvia e obedecia. E aprendia.
No Grêmio, Luiz Felipe também indicava que caminhos deveriam ser percorridos pelos jogadores, e eles entendiam e, em campo, cumpriam.
Era um time notável. Mas, de forma alguma, jogava como este, de agora, está jogando. O Grêmio de Renato joga com uma naturalidade assombrosa. Contra o São Paulo, no Morumbi, controlou a partida com tamanha facilidade, que, a certo momento, parecia enfastiado do jogo. Vê-se, na movimentação dos jogadores, que ali há trabalho. Eles também sabem por onde devem correr, como o time de Felipão, mas tocam a bola como só vi o Flamengo de Zico tocar.
Um time que joga com dois pontas abertos, como o Inter de Valdomiro e Lula. Que ataca com oito e se defende com nove. E que tem jogadores solidários, sempre dispostos a dar ao companheiro a melhor opção de passe. Um time que flui. Que se mata de tanto esforço, mas parece jogar enquanto passeia assobiando com a mão no bolso. Eis a maior das qualidades, porque nada é mais difícil do que fazer bem como se fosse fácil.
Esse time é obra de Renato e Romildo e da inteligência dos seus jogadores. Uma única Copa do Brasil é pouco para uma equipe que está jogando assim. Mais um grande título, pelo menos, e esse time será, de fato, imortal.