Eu era bom no jogo de botão. Não, cara, eu era muito bom no jogo de botão. Na verdade, como diria Gilmar Mendes, modéstia às favas: eu era o melhor no jogo de botão.
Aliás, isso me intriga: a fava é uma leguminosa, meio ervilha, meio feijão. Por que atirar alguma coisa no meio delas é o mesmo que atirar fora? Professor Cláudio Moreno, socorra-me nesta hora de dúvida!
Mas, como dizia, modéstia às leguminosas: eu era o melhor no jogo de botão. Jogava sempre no ataque, pressionando o adversário. Shakespeare dizia que na guerra o homem tem de se comportar como um tigre, e o jogo de botão era guerra e eu era um tigre.
O campo de jogo funcionava no parquê lá de casa, onde me tornei imbatível. Havia vencido vários campeonatos, mas, certa vez, uma taça foi colocada em disputa, e eu nunca tinha conquistado uma. Nunca. Nem taça, nem medalha, nada. Uma frustração. Será que não sou um ganhador de troféus? Será que é destino? Botei na cabeça que ia ganhar aquela tacinha. E o campeonato começou e comecei a ganhar.
Numa caixa de sapatos (o ônibus da delegação), guardava mais de 10 times. Recortava as carinhas dos jogadores das revistas de futebol e colava em cima dos botões. Não sei de onde tirava tanta revista com histórias do futebol, mas o fato é que as acumulava às centenas e as lia com fome. Gostava dos jogadores antigos. A Seleção que mais admirava era a de 1958 e o melhor jogador do meu time era um meia-esquerda de duas camadas, azul-marinho em cima, branco embaixo, chamado Lagreca.
O Lagreca gente, Sylvio Lagreca, com ípsilon e tudo, foi centromédio da primeira de todas as Seleções Brasileiras. Li a história dele quando era bem pequeno e jamais esqueci.
Naquele tempo, não existia a profissão de técnico. Um dos jogadores do time, em geral o capitão, acumulava as funções. Ele escalava e definia a estratégia. Sylvio Lagreca fazia isso na Seleção. Tratava-se de homem de autoridade, portanto.
Uma vez, em um jogo na Argentina, torcedores atearam fogo à bandeira brasileira, que tremulava no mastro do estádio. Lagreca, vendo aquilo, tomou de um paletó, subiu no mastro, abafou o fogo com o casaco, não sem antes sofrer algumas queimaduras, e desceu com a bandeira nas mãos. A cena produziu forte impacto em todos que a viram e em mim, que li sobre ela, tanto, que meu puxador artilheiro recebeu o nome e o rosto de Sylvio Lagreca.
Com Lagreca em campo, era difícil de me ganhar, sobretudo no parquê. Mas o parquê, admito, podia ser considerado campo de várzea, eu conhecia cada falha do terreno, cada buraco, cada saliência. Só que ninguém tinha mesa oficial. Nem aquelas do Estrelão tínhamos. Aí, uma vez, decidimos fazer um estádio. Nos reunimos, umas duas dezenas de amigos, e traçamos um plano: saímos pela vizinhança pedindo mantimentos. Uma vizinha dava uma xícara de açúcar, o outro um quilo de pinhão, mais um oferecia um saco de pipoca, e assim por diante. Levantamos grande quantidade de doações. Com elas, organizamos uma festa junina no terreno baldio que havia entre dois blocos de prédios, chamado por nós de Rua da Tendinha, onde depois foi levantada a Gráfica Pallotti.
A festa foi um sucesso de público e arrecadação.
No dia seguinte, com o dinheiro da festa amassadinho nas mãos, corremos em bando a uma marcenaria próxima. Lá escolhemos uma bela peça de madeira clara e, com ela, fizemos nosso campo de botão. Era um luxo, padrão Fifa. Tive boas vitórias naquela maravilha, mas o parquê continuou sendo minha especialidade. Por isso, precisava ganhar aquela taça. Precisava. E cheguei à final. Da qual conto amanhã.