O cantor gaúcho Wander Wildner estava se apresentando numa casa noturna de São Paulo, dias atrás, quando seu microfone foi desligado pelos próprios contratantes do show. Em seguida, eles praticamente o expulsaram do lugar. Alegaram que o cantor havia sido preconceituoso ao proferir a frase "já que nenhuma vadia me traz uma cerveja" e ao se referir a um atendente como "o nego que trabalha no bar".
Mais tarde, a casa divulgou uma nota de explicação:
"A grande questão aí é estarmos dispostos a ouvir, aprender e não repetir os erros. E por isso mesmo não queremos tomar protagonismo dessa luta, não faz sentido, afinal não fizemos mais do que a obrigação em encerrar o show".
O texto é confuso, mas revela alguma coisa. Em primeiro lugar, a falsa humildade: eles dizem não querer "tomar protagonismo dessa luta", mas posam de mestres da ética ao ensinar qual é, na opinião deles, "a grande questão".
Que bom que alguém me disse qual é a grande questão.
Mas o que essas duas malredigidas frases realmente revelam é a covardia do ato. Wander Wildner defendeu-se em uma nota dizendo que quem o conhece sabe que ele não é racista ou machista. Não o conheço, mas sei que Wander Wildner é o tipo de artista que, fazendo um paralelo com a literatura, age como um Bukowski. Basta uma rápida busca no Google para encontrar, nas letras das músicas que ele canta, frases como:
"Sozinho pelas ruas de São Paulo
Eu quero achar alguém pra mim
Um alguém tipo assim
Que goste de beber e falar
LSD queira tomar
E curta Syd Barrett e os Beatles".
Ou:
"Vou me entorpecer bebendo vinho
Eu sigo só o meu caminho".
Ou ainda:
"Eu admiro as mulheres que usam seus homens
Fazem de tudo o que querem por dinheiro ou prazer
Às duas da tarde, cinco da manhã no carro, na cama, em qualquer lugar
Sempre a postos pra saciar alguém".
Wander Wildner, está cristalino, faz o gênero rebelde desbocado. Suponho que os donos da casa noturna sabiam quem estavam contratando. Por que, então, reprimiram o cantor no momento em que ele se comportava exatamente como se esperava que se comportasse?
Porque é bonito. É uma delícia manifestar o seu ultraje diante do suposto preconceito alheio. Você prega a sua superioridade moral e, o melhor, a sua vítima não tem como se defender. O que ela poderá fazer? No máximo, fará como fez Wildner. Dirá, em contrição:
– Fui mal interpretado, eu não sou machista, eu não sou racista.
Não importa mais. Ele já foi apontado como sendo um monstro, já foi jogado aos tubarões. Mesmo que esteja certo, mesmo que tenha sido uma brincadeira, mesmo que seja apenas uma forma de se expressar, alguém o condenará: "Em 2017, não se admitem mais essas brincadeiras e essas formas de se expressar".
Em 2017, o que se tem é o novo moralista, é o vigilante da opinião alheia, é o juiz que condena sem nem ouvir a defesa. Estamos cercados de campeões da luta contra os preconceitos, gente de princípios elevadíssimos, que infla as bochechas para gritar que quer mudar o mundo. Estão conseguindo. O mundo, definitivamente, mudou.