Tenho má notícia para você, caro conterrâneo: o Brasil não tem jeito. Posso provar o que afirmo graças à movimentação que ocorre em Curitiba. Mas, para fazê-lo, preciso que você tome certa distância a fim observar de um local seguro, seja qual for a sua crença política.
Vamos lá.
Um ex-presidente da República, suspeito de corrupção, será interrogadopelo juiz que conduz o processo, e milhares de pessoas se reúnem na cidade em que ocorrerá a audiência a fim de se manifestar contra ou a favor do réu.
Já isso parece absurdo. Afinal, Lula não será absolvido ou condenado nesta quarta-feira; será apenas ouvido.
Por que, então, tamanha mobilização?
Porque Lula conseguiu transformar o processo contra ele em um ato político. Alega, o ex-presidente, estar sendo perseguido por um aparato poderoso formado pela Polícia Federal, pelo Mistério Público e pela Magistratura. Segundo ele, os agentes da lei, além de forjar indícios e provas, dizem para réus já condenados ou em vias de condenação: "Se você fizer uma delação contra Lula, sua pena será diminuída".
Por que policiais, promotores e juízes infringiriam a lei desta forma brutal?
Porque esse ex-presidente é um homem bom, que defende os pobres. Policiais, promotores e juízes, além de milhões de outros brasileiros, não querem que os pobres andem de avião, frequentem universidades e comprem em shoppings. Assim, elaboraram uma trama gigantesca e maquiavélica para colocar na cadeia o líder salvador dos descamisados, mantendo os privilégios da elite branca.
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Você provavelmente percebeu o quanto essa tese é extravagante. Mas digamos que não tenha percebido. Digamos que acredite nela. O plano diabólico urdido contra Lula, portanto, seria verdadeiro. Isso inviabilizaria o país institucionalmente. Polícia, Ministério Público, juízes, políticos, empresários, todos perderiam a credibilidade. Tudo ruiria. Só existiria um personagem digno de confiança: o próprio Lula. Ele teria de ser o ditador, o rei, o absoluto. Aí, sim, Lula não apenas poderia como deveria colocar na cadeia todos esses milhares que o acossam, como ele disse que faria se fosse eleito presidente.
Certo.
Agora vamos supor que a tese da conspiração não seja verdade. Policiais, promotores e juízes estão fazendo seu trabalho com honestidade, tentando apurar o que realmente aconteceu. Não existe perseguição: existe investigação.
Neste caso, o que todas essas pessoas estão fazendo em Curitiba? Se o processo é técnico e o interrogatório do acusado é peça de rotina, por que fremem essas duas estranhas torcidas na capital do Paraná? Por que se comportam como fanáticos colegas jornalistas, artistas e políticos, gritando que Lula está sendo perseguido por seus méritos em vez de estar sob suspeita por possíveis erros?
O que eles querem?
Querem que Lula passe por cima das instituições. Querem que ele seja especial e inatingível. Querem que seu grupo se salve, mesmo que desgrace o país.
Não é uma disputa ideológica. É uma disputa partidária, mesquinha, pequena e infantil.
Resumindo:
1. Se Lula estiver sendo perseguido, o Brasil está perdido, porque as instituições são mais do que inconfiáveis, são mal-intencionadas.
2. Se Lula não estiver sendo perseguido, o Brasil está perdido, porque milhares de pessoas que o apoiam, inclusive intelectuais com algum peso, preferem salvar o partido a salvar o país.
Dessa distância que você tomou, olhe para as pessoas de vermelho ou de amarelo, em Curitiba. São milhares. Cada uma delas provando que temos sido ridículos, que nosso país inteiro tem sido ridículo e que nosso futuro, provavelmente, não será menos do que ridículo.