Orlov foi um soldado russo condenado à morte pelo famoso czar Pedro, o Grande.
Tenho lido bastante sobre os russos, nos últimos tempos, e mais ainda lerei, porque eles voltaram ao centro dramático do mundo – vide o atentado de ontem, em São Petersburgo.
Aliás, São Petersburgo foi fundada por esse mesmo Pedro, o Grande. Lá está plantada uma imponente estátua equestre dele, mandada erigir por outra Grande, Catarina, que queria se identificar com Pedro, mas não era sua descendente. Catarina, por sinal, nem russa era: era alemã. E Catarina nem Catarina era: era Sophia. Catarina era, isto sim, lúbrica, lasciva e libidinosa. Suas histórias são febris, outro dia conto. Por ora, quero falar de Orlov, o soldado condenado à morte.
Orlov, em russo, significa "águia", e esse Orlov merecia o nome que levava. Participou de uma revolta contra uma série de reformas que o czar fez no Exército, e por isso acabou sentenciado pelo tribunal militar. No dia da execução, às vistas do povo que fervilhava na Praça Vermelha, diversos colegas de Orlov foram degolados, enquanto ele, impassível, esperava a sua vez. Quando chamaram seu nome, subiu orgulhosamente no cadafalso, caminhou firme pelo piso coberto de sangue coagulado e, chutando a cabeça cortada de um de seus companheiros, disse sem vacilação:
– Vamos abrir espaço para mim aqui!
O czar, que assistia às execuções, ficou tão impressionado com o destemor de Orlov, que gritou:
– Parem tudo!
O soldado foi não apenas salvo da morte como promovido. Tornou-se oficial e brilhou no Exército russo pelos anos seguintes.
Tempos depois, quando reinava Isabel, a filha de Pedro, outro militar se viu diante do tribunal. Chamava-se Apraksin e não se tratava de um soldado desconhecido como Orlov. Ao contrário, era um dos mais vistosos generais do império. Mas havia liderado uma retirada vergonhosa na guerra contra a Prússia e por essa razão havia sido levado a julgamento.
Esse Apraksin não tinha nada da altivez de águia de Orlov. Era corpulento, quase obeso, muito vermelho, um tanto preguiçoso, mas muito bem-humorado. Devia ser boa gente.
No fim de seu julgamento, o juiz mandou que se levantasse para ouvir a sentença. Nervosíssimo, de olhos arregalados, Apraksin ficou paralisado de horror, enquanto o magistrado dizia:
– ... diante disso, não temos outro recurso, a não ser...
Esperando que as palavras finais fossem as habituais "tortura e morte", Apraksin sentiu-se mal e caiu duro ali mesmo, completa, total, absoluta e irremediavelmente morto, incapaz de ouvir o desfecho da frase, que seria... "mantê-lo em liberdade".
Ou seja: o soldado que encarou a morte com desassombro seria de fato morto, mas ganhou a vida; e o general que encarou a morte com temor ganharia a vida, mas acabou morrendo sem nem saber disso.
A coragem salva e, se não salva, pelo menos é um consolo. Que os russos tenham coragem, nesta hora. E todos nós também.