Fiquei encantado ao descobrir que a CIA está me vigiando através do meu computador, do celular, do forno de micro-ondas etc. Mark Zuckerberg, para não ser espionado, tapa o visor das câmeras de seus aparelhos com um adesivo preto. Eu, não. Eu tenho me vestido melhor, quando vou passar em frente a um eletrônico.
Isso me lembra de Freud. Um dia, a filha de Freud, Ana, pegou-o queimando uma pilha de documentos. Perguntou o que o velho estava fazendo, e ele:
– Vou dar trabalho para os meus biógrafos.
Não era exatamente essa a sua intenção, óbvio. Freud estava selecionando o que deixaria para seus biógrafos. Estava editando a própria biografia.
Foi o que Chico Buarque, Roberto Carlos e outros artistas tentaram fazer, ao propor censura às biografias no Brasil. Queriam cortar o ruim e elevar o bom.
Eu também. Para o caso de os espiões americanos se interessarem por mim, dei uma revisada nos arquivos e excluí tudo o que possa ser desagradável. Abri até uma pasta com o que há de mais relevante, sob o título "Prezada CIA".
Outro que está curioso a respeito dos meus dados é o Facebook, que, por ironia, pertence ao desconfiado Mark Zuckerberg. Disseram-me para escrever um post desautorizando o Facebook a tirar a minha privacidade, caso contrário, ele, Mark, faria com minhas informações o que bem entendesse.
Jamais um post desses. O Facebook existe, exatamente, para nos privar da privacidade. Conto o que o Mark quiser saber, com exceção de pormenores do que ocorreu na noite do aniversário do Juninho, em janeiro de 1997.
Esse súbito interesse da CIA e do Facebook pela minha pessoa me envaidece. Em compensação, o desinteresse das autoridades brasileiras me entristece.
Nunca me ofereceram um milhão. Nunca me deram bola. O dinheiro circula por todo lugar, todo mundo ganha, todo mundo é chamado por algum apelido carinhoso pelos patrocinadores: tem o "Amigo", tem o "Italiano", tem até dois "Angorás". Mas eu, aqui, nunca fui lembrado.
Você vai gritar: "O quê? Então você queria se corromper?". Claro que não. Não pense isso de mim, Moro. Queria poder recusar. O corruptor tentando desesperadamente me comprar e eu rechaçando as propostas mais tentadoras, sobranceiro, ereto, íntegro, um exemplo para os seus filhos, assombrado leitor. A gravação da minha recusa peremptória e indignada seria reproduzida pelo Jornal Nacional, a Renatinha anunciando:
– Jornalista gaúcho dá lição de ética ao dizer um rotundo "não" a corruptor.
Em seguida, o JN publicaria o áudio do telefonema, com a legenda das minhas palavras de revolta:
– Não! Já disse que não! Não aceito esses 10 milhões de dólares sujos, nem esse triplex no Leblon, nem esse anel com um diamante do tamanho de uma unha de polegar para a minha mulher, nem essa viagem com tudo pago para Paris. Não! Sou incorruptível, entendeu? Incorruptível!
Ah, que sonho... Seria o herói do Brasil. Só que eles se esqueceram de mim – III. Ninguém me liga, ninguém tenta me comprar, a PF não me grampeia, a Odebrecht nem sabe quem sou. Mas a CIA sabe! E o Facebook está de olho em mim. Bem feito! Não quer? Tem quem quer!