Não comerei placenta. O Potter e a Kelly estão agora com essa mania de fazer com que as pessoas comam placenta. Irritante. Foi desde que entrevistamos a Bela Gil no Timeline, da Gaúcha, dias atrás.
A Bela Gil, informo, é filha do Gilberto e tem um programa de culinária naturalista na TV. Ela come coisas como inhame. E, quando teve filho, pediu que o médico guardasse a placenta, bateu-a com banana no liquidificador, bebeu um copo inteiro e deu para o marido e o filho beberem também.
Placenta. Diz que é bom para algo.
Pois o Potter e a Kelly, ouvindo-a, se entusiasmaram. Estão loucos para comer placenta.
Eu, não.
Considero comer placenta uma mistura de autofagia com canibalismo, ainda que atenuada pela banana e outros condimentos, como fez Bela Gil. Verdade que pessoas já comeram muito outras pessoas no passado, e não estou falando em sentido figurado. Durante pelo menos 300 anos, entre os séculos 16 e 19, os europeus e os japoneses trataram-se de diversos males ingerindo pó de múmia.
As múmias eram arrancadas das tumbas do Egito, picadas, moídas e transformadas em pó. Em seguida, eram acondicionadas em frascos e enviadas para as boticas europeias e japonesas, onde farmacêuticos felizes as vendiam a preços altíssimos a fim de tratar infecções, dores de cabeça, revoluções intestinais e até paralisia. A múmia triturada se transformava em um pó preto, que deixava um sabor amargo na boca durante muito tempo e, como efeito colateral, provocava náuseas violentas. Reis e rainhas ingeriam pó de múmia. Ou seja: comiam egípcios mortos.
Portanto, se dissessem para essa gente que comer placenta cura dor de cabeça, eles comeriam. Mas não o degas aqui. Ah, não. Prefiro Melhoral.
Mesmo assim, não vou falar mal dos comedores de placenta. O Potter e a Kelly são meus amigos e achei a Bela Gil bem simpática. Digo mais: não os recriminaria por isso nem se não gostasse deles. Cada um coma o que bem entender.
O problema é que a maioria das pessoas chega a ficar ofendida quando encontra outras que vivem de forma diferente. Um é insultado porque come placenta, o outro porque gosta de se relacionar sexualmente com pessoas do mesmo sexo ou com vegetais, como o Sergei, outro porque pratica certa religião, outro porque não pratica religião alguma, outro porque tem pele de determinada cor, outro, ainda, porque é anão ou só tem uma perna ou abana a orelha quando dá tchau.
O que é que tem?
Por que você quer que todas as pessoas façam tudo exatamente como você faz e sejam exatamente como você é?
Por que a diferença incomoda?
Direi.
Porque as pessoas têm medo de estar vivendo da maneira errada. Quando todos se comportam como você, você se sente aliviado: é assim mesmo que se faz. Mas, quando o outro é diferente, assalta-lhe a dúvida: será que não deveria ter feito igual? Será que o jeito dele não é melhor do que o meu? Será que não perdi meu tempo? Será que meus pais me ensinaram errado?
Isso é terrível, porque pode lhe roubar o sentido da vida, e todos estamos sempre procurando um sentido para a vida. Por essa razão, qualquer diferença é agressiva, mesmo que não seja de conteúdo, seja só de forma.
A verdade é que não existe uma única fórmula. Há várias, porque as pessoas são variadas, e inclusive a uma só pessoa pode-se aplicar várias fórmulas, e todas podem dar certo. Ou não.
Faça como você quiser, pois. Mas não insista. Não comerei placenta. Talvez, inhame.