Queria era falar de Natalie Portman. Natalie Portman, como descrevi ontem, é pequena e bela como um haicai. Tem 1m60cm de altura, é esguia e traz nos olhos suavemente oblíquos uma certa aragem de tristeza resignada que sempre me comove.
O pai de Natalie é médico. Quando ela tinha oito anos de idade, ele a levou para assistir a uma experiência científica. A fim de demonstrar uma nova técnica cirúrgica, o velho Portman operou uma galinha diante dos olhos arregalados da filha. A pequena Natalie, em vez de se encantar com os prodígios da medicina, como talvez esperasse o pai, se horrorizou com o que foi feito com a galinha. E decidiu que não comeria mais carne de bicho algum. É o que tem feito, desde então, e já se vão lá quase 30 anos.
Natalie, pois, é vegetariana, e eu gosto dela. Suponho que isso me renda pontos com as vegetarianas, embora deva levar em consideração que nunca trinchei uma picanha na frente de Natalie. Vá que ela se aborreça com isso e me reprima. Então, gostarei menos dela. E as vegetarianas, inconstantes que são, gostarão menos de mim.
De qualquer forma, não estou contando todas essas histórias gastronômico-medicinais para me reconciliar com as vegetarianas. Estou contando para dizer que a presença de Natalie foi uma das razões que me fizeram ir ao cinema para assistir ao filme Jackie, no qual ela interpreta Jacqueline Kennedy.
O filme é interessante por tomar um caminho lateral de um tema central da história do mundo, o assassinato de JFK. Em certos momentos, Jackie recorda as cenas do crime. É de uma dramaticidade atordoante. Como todos sabem, Jackie e JFK estavam no banco de trás de um carro aberto, desfilando pelas ruas de Dallas. Ele acenava para um lado, ela sorria para outro. Quando o primeiro tiro o atingiu, ela não compreendeu de imediato o que acontecera. Abraçou-o, preocupada, e aparentemente perguntou o que havia. Então, o segundo tiro despedaçou-lhe o tampo da cabeça.
O que se deu em seguida é assombroso. Jacqueline Kennedy, a primeira-dama dos Estados Unidos, a flor mais requintada da elite de New England, salta sobre o banco e, arrastando-se de quatro, avança pelo capô do carro em busca de um naco do cérebro do marido, que fora jogado longe pelo impacto da bala.
Foi um gesto instintivo, animalesco, mas profundamente revelador. Ela não pensou em se proteger. Ela tentou recuperar uma parte do corpo do marido na intenção de ajudá-lo. Nesse movimento, Jackie foi contida pelo agente da segurança, que a empurrou de volta para o banco. As cenas seguintes são dela segurando a cabeça ensanguentada de Kennedy, tapando com a mão o buraco que o tiro lhe abrira na cabeça, enquanto o carro rodava velozmente rumo ao hospital.
No filme, após a morte de Kennedy, Natalie surge diante do espelho, chorando e esfregando com um pano o sangue que lhe mancha o rosto, o pescoço, os braços.
Saí do cinema pensando naquele ato de Jacqueline, de esquecer-se de si mesma para colher uma parte do cérebro do marido. Não foi um ato de coragem: foi de entrega. Um homem, mesmo o mais bravo dos homens, teria idêntica reação? Duvido. Um homem poderia pensar em reagir, em se proteger e até defender o corpo da vítima com o próprio corpo, mas sair a catar um pedaço da outra pessoa, só uma mulher. Uma mulher que sentia, pelo seu homem, um amor de mãe.