É a quinta vez que venho à Itália. Foram duas viagens a passeio e outras duas a trabalho. Na última, em 2013, vim pela RBS para descrever ao público gaúcho o conclave que escolheu o papa Francisco como chefe da Igreja Católica. Cheguei ao Vaticano alguns dias antes. Como os cardeais não davam entrevista, resolvi fazer uma apuração com pessoas que conviviam com os participantes do ritual de escolha. Um deles era o padre gaúcho Antônio Hofmeister. Ele servia de motorista que transportava os cardeais brasileiros e passava um bom tempo na companhia deles. Ao mesmo tempo, comprei um pôster com nomes e fotos de todos os mais de cem cardeais do encontro. Eu queria memorizar o rosto de quem poderia ser o escolhido. Colei o cartaz na parede do meu quarto. Ninguém, tampouco eu, desconfiou que o eleito no conclave seria o bispo de Buenos Aires.
Na noite do dia 13 de março de 2013, sob chuva e frio, os católicos tomaram a praça São Pedro. A única torcida organizada era a brasileira. Na época, se cogitava que o cardeal de São Paulo, dom Odilo Scherer, poderia ser escolhido. Ao meu lado, durante a transmissão, estava o padre gaúcho. Se houvesse consenso, a fumaça branca sairia pela chaminé da Capela Sistina para anunciar que o Papa havia sido escolhido. Quando houve a lufada de cor clara, os católicos vibraram como se o time deles tivesse feito um gol. Alguns minutos depois, o novo papa apareceu na sacada da Basílica de São Pedro. O nome anunciado foi o do cardeal Jorge Mario Bergoglio, aquele mesmo que aparecia no cantinho do meu pôster. Por isso, quando anunciei, ao vivo, na Rádio Gaúcha, o nome do cardeal Bergoglio, saiu a frase que até hoje muita gente mexe comigo: “É argentino! O novo papa é ar-gen-tino!”
Agora, dez anos depois, voltei a Roma a passeio e era inevitável lembrar daquele tempo. Desta vez, o meu cicerone foi o padre Antônio, com quem desenvolvi uma amizade. Ele me levou para uma visita à Cidade do Vaticano num roteiro diferente do turista, que costuma visitar o museu e a capela Sistina para ver os afrescos de Michelângelo. No meu caso, andei por lugares que não são para turismo. Misturei turismo com curiosidade pessoal. Conheci o Banco do Vaticano e o Palácio Apostólico, por exemplo. O palácio é o local onde moraram todos os papas e de onde é rezado o angelus, a tradicional missa celebrada da janela dos aposentos papais, aos domingos, ao meio-dia.
Não fomos autorizados a acessar o segundo pavimento, pois naquele momento o andar estava isolado para a cerimônia entre o Papa e a comitiva do rei do Bahrein, Hamas bin Isa Al Khalifa. No final da visita pela Cidade do Vaticano, o padre Antônio me convidou para jantar no palácio Santa Marta, o mesmo local onde o Papa reside e, claro, faz suas refeições. Enquanto comíamos massa com feijão, o mesmo cardápio servido a Francisco, ele entra no restaurante se locomovendo com um andador. Sentou-se a uma mesa com religiosos que o estavam acompanhando. Alguns instantes se passaram, até que o padre pediu que eu fosse ao lado de fora e aguardasse a saída do Papa. Fui lá, nervoso, e tirei da minha mochila um pacote de erva mate e um folheto com fotos de Porto Alegre. Saquei também fotos da minha família para serem abençoadas pelo Santo Padre. Em poucos minutos, ele deixou o restaurante e eu, que nunca tremi para um entrevistado, estava trêmulo e sem fôlego. Pela primeira vez, não sabia nem o que dizer a ele. Só o cumprimentei e entreguei os presentes. Agora ele pode sorver chimarrão com erva mate gaúcha e apreciar imagens da Capital. Antes de pedir a bênção, o padre Antônio contou ao Papa a minha história do jornalista que teve câncer e está vivo. O papa Francisco disse duas frases que nunca mais sairão da minha cabeça: “Deus te abençoe. Esse come polenta”.
Ele tem razão, eu adoro polenta. A cena nunca vai me abandonar.