O empresário porto-alegrense Fernando Goldsztein disputou uma maratona para honrar o filho. Literalmente. Ele correu os 42 quilômetros da maratona de Boston, nos Estados Unidos, para ser recebido, ao final, pela família. Fernando e dois meninos cruzaram a linha de chegada juntos. O filho mais velho, uma criança de oito anos em 2017, havia recém terminado o primeiro tratamento para combater um tipo de câncer complexo.
Se o filho superasse aquele estágio da doença, Fernando prometeu que correria uma maratona completa. A promessa foi cumprida. A família estava nos Estados Unidos para o tratamento do menino. Durante os procedimentos, o empresário ficou inconformado ao descobrir que não existe um protocolo padrão contra o câncer na cabeça de crianças, o meduloblastoma. Não só nos Estados Unidos, mas no mundo todo. Havia muito investimento para outros tipos de câncer, mas muito pouco para o que o filho enfrentava. Fernando, então, decidiu correr outra maratona, diferente de uma prova esportiva e muito mais desafiadora.
Em 2019, criou a Medulobastoma Initiative (MBI), uma organização não governamental (ONG) capaz de financiar a pesquisa do medicamento para curar um câncer que mata milhares de crianças todos os anos.
– Até o fim da vida, independentemente do que aconteça, vou dedicar meus esforços para buscar a cura do câncer de crianças – afirma e reafirma.
Esse é mesmo tipo de câncer que eu tive. Porém, diferentemente da maioria, não sou mais uma criança. O tratamento atual salva as vidas dos pequenos, mas sua agressividade impede, por exemplo, o pleno desenvolvimento de alguns órgãos.
O lema do MBI não poderia ser mais adequado: “Acelerando para chegar na cura”. O papel do empresário porto-alegrense é dar e recolher dinheiro para a filantropia da ONG. E dirigir a instituição. O alvo é conseguir arrecadar pelo menos US$ 15 milhões. Metade já está no caixa. E uma parte do total foi dinheiro tirado da própria conta de Fernando.
Neste momento, às vésperas dos experimentos, faltou dinheiro, mas nem por isso eles deixarão de ser feitos. A MBI reuniu os melhores pesquisadores para promover testes. São profissionais de 12 laboratórios em países como Estados Unidos, Canadá e Alemanha. As equipes estão prestes a começar o primeiro teste, e a perspectiva é muito positiva. O grupo de elite conta com um médico brasileiro, André Fay, de Porto Alegre. O investimento se dá fora do Brasil essencialmente porque nos Estados Unidos existe uma tradição para a filantropia que financia a pesquisa. Mas o sucesso da MBI vai criar condições de aplicar o tratamento no mundo todo.
– Depois de dois anos de pesquisas, chegamos ao momento chave, com a realização dos testes clínicos, quando os tratamentos começam a ser feitos em crianças. Se Deus quiser, vamos achar a cura. Caso contrário, vamos continuar as pesquisas fazendo outros testes porque temos mais no nosso radar – explica.
Fernando pertence a uma família que construiu uma das maiores empresas de edificações do Rio Grande do Sul. Agora, dedica a maior parte do tempo para a causa da saúde. A mesma seriedade que aplica nos negócios ele utiliza para explicar e liderar a inciativa. Mas muda o tom quando fala do filho, o que é perfeitamente compreensível. O câncer na cabeça do menino foi descoberto aos oito anos, e ele conseguiu se livrar do problema. Hoje ele é um adolescente. Já houve recidivas (o ressurgimento da doença), o que pode acontecer com frequência.
A cada ano, acredita-se que de 25 a 30 mil crianças desenvolvam a doença. Cerca de 10 mil não chegam ao fim do tratamento e acabam perecendo, muitas delas no Brasil. Em torno de dois terços dos sobreviventes ficam com alguma sequela para a vida toda devido à agressividade do tratamento. Umas das sequelas é a incapacidade de desenvolvimento da criança. O tratamento disponível salva vidas, mas é muito agressivo para os pequenos. Encontrar a cura para este tipo de câncer vai poupar crianças da hostilidade da medicação pesada. No lugar de infusões e inúmeras sessões de rádio e quimioterapia, apenas um remédio. Isso é o que Fernando enxerga na linha de chegada da maratona mais importante que já enfrentou.