A África, o "continente esquecido", o segundo mais populoso do planeta e território das mais graves e devastadoras crises virais se preparou para o pior. Em fevereiro, quando os primeiros casos de coronavírus apareceram em países do norte do continente - no Egito, país com alto fluxo de turistas europeus - os governos correram para tomar medidas que pudessem conter, mesmo que momentaneamente, a proliferação do mais novo vírus. Nada menos do que 20 países decretaram o confinamento da população. Ruanda, com 20 casos de infectados, decretou lockdown. Viagens de avião no continente foram suspensas, fronteiras fechadas à espera de um tsunami na saúde.
Agora, quase seis meses depois, a África emerge como o continente com menos países na lista dos que tiveram mais casos e mais mortes. Apenas a África do Sul está entre as 20 nações com mais casos. Ainda assim, com 59 milhões de pessoas, teve 12 mil mortes - o Brasil tem 210 milhões e mais de 111 mil mortes. O que explica esse fenômeno? A região do planeta castigada pelo HIV, ebola, malária, febre amarela e tantas outras, soube se esquivar bem do mais potente vírus a assolar o planeta na história recente. Fiz essa ponderação ao escritor moçambicano Mia Couto, que participará do Fronteiras do Pensamento 2020 no próximo mês. Mia mora em Maputo e embora seja um homem das letras reconhecido mundialmente, ele também é biólogo e integra o comitê de crise do governo de Moçambique.
- Sei que muitos custam a acreditar, mas desta vez a África fez bem. E isso tem a ver com medidas de governo.
Mia Couto explica que a África, em geral, conta com uma rede pública de saúde acostumada a enfrentar problemas em grande escala. Moçambique criou um sistema nacional de saúde, aos moldes do SUS, que garante acesso à saúde universal. Além disso, os programas de vacinação em massa, inclusive para tuberculose, se mostram eficientes e contribuem para imunização de uma forma geral. Mais: uma orientação de governo é atendida como uma ordem compulsória. Por exemplo, se o governo diz "a população deve usar máscara" a sugestão imediatamente se incorpora à rotina da população. Uma combinação de coisas, segundo Mia Couto, ajuda a explicar o resultado da pandemia na África.