Há apenas cinco anos no Ministério Público, o promotor de Justiça Bruno Bonamente, 35 anos, está prestes a conduzir a acusação de um dos júris mais rumorosos dos últimos anos no Rio Grande do Sul. O caso do menino Bernardo Boldrini, encontrado morto em abril de 2014, aos 11 anos, vai levar a julgamento, a partir de segunda-feira (11), quatro réus, entre eles o pai e a madrasta. O promotor passou as últimas semanas estudando provas, depoimentos, laudos e outros documentos que compõem o processo que pede a condenação por homicídio e ocultação de cadáver.
Quais são os maiores desafios da acusação?
É conseguir expor toda a dinâmica do caso para os jurados. É uma vastidão de provas, são vários indícios concatenados, perícias, relatórios, interceptações telefônicas. O maior desafio é reunir isso tudo em um raciocínio que fique fácil e tranquilo para que o jurado possa interpretar essa prova da melhor forma possível.
Qual é o papel de cada réu no crime, segundo a acusação?
Não gostaria de entrar no debate meritório da prova neste momento. A dois dias do júri, prefiro me resguardar para falar do papel de cada um em plenário.
Mas foi a madrasta a figura central do assassinato?
O crime foi cometido pelos quatro. E esse é o motivo pelo qual estão respondendo pelo crime e estão presos até hoje.
Qual é o papel do pai no caso?
O pai funcionou como mentor intelectual e partícipe em todas as etapas do crime.
Ele sabia com antecedência que a madrasta iria cometer o crime?
Sem dúvida. O crime não teria acontecido se não contasse com a participação dele. Aliás, o crime não teria acontecido se não contasse com a participação de qualquer um deles. Todos tiveram, na medida de suas responsabilidades, participações importantes no desenvolvimento da trama.
O que mais chamou a atenção?
Acredito que o processo em si chama muito a atenção pela forma como crime foi cometido e como isso foi apresentado para a sociedade. O pai envolvido no homicídio do filho, com a madrasta, envolvimento de terceiros. A criança era muito querida na comunidade, todo mundo tentava fazer um pouco por ela, tentava auxiliá-la de alguma forma. A comunidade foi pega de surpresa com esse homicídio e isso impactou bastante, essa comoção da comunidade de Três Passos quando deparou com esse crime.
A alegação da defesa do Evandro é de que ele não sabia do crime e que poderia, no máximo, ser enquadrado por ocultação de cadáver. Procede isso?
Cavar a cova não parece ser pouca coisa, sob hipótese alguma. Basta dizer que, não havendo a participação dele, o crime também não aconteceria. O crime, para acontecer, do começo até o fim, tem de estar concatenado nos atos executórios. E a parte dele foi a final, que teve extrema importância. Então, essa alegação de que só participou da ocultação cai por terra diante de todos os elementos que foram concatenados durante a instrução e que demonstram que a participação dele foi efetiva e de extrema importância para que o homicídio se concretizasse.
A defesa da Graciele alega que ela não teria tido a intenção de matar. Teria dado uma quantidade de medicamentos e não imaginava que ele poderia morrer. Como o senhor vê o papel dela?
Sem dúvida, pai e madrasta têm papel central na trama porque foram as pessoas que articularam esse crime todo. O crime não aconteceu em um momento: ele foi planejado, teve começo, meio e fim.
A justificativa da defesa da Edelvânia é de que ela teria sido pressionada a ir junto no dia do crime e não saberia o que poderia acontecer. Qual é o papel dela?
O papel dela, assim como falei em relação aos demais: importância total. O desconhecimento não se sustenta pelas próprias palavras dela. Edelvânia confessou perante autoridade policial toda a trama, e demonstrou fatos que somente alguém que esteve no local e participou dos atos preparatórios poderia saber.
Qual é a motivação do crime?
São dois fatores que demonstram a motivação do crime. O primeiro é que, na nova constituição familiar, Bernardo representava estorvo ao casal. Eles tiveram uma filha e ele já não se inseria nesse núcleo. E esse, inclusive, é o que sustenta o motivo fútil. E também tem o meio torpe, o casal tinha a preocupação de que, possivelmente, ele viesse a dilapidar o patrimônio do qual era herdeiro, que herdaria da mãe dele. Além de haver diversos relatos de que, futuramente, poderia dispor da fortuna do pai, utilizar de forma indevida. Então, esses dois motivos, que inclusive qualificam o crime, são primordiais e motivaram essa conduta.
Quando o crime aconteceu, o pai telefonou para a imprensa e comunicou o sumiço do menino. Isso agrava a situação dele?
A demonstração da falta de afeto e da terceirização, colocar a pessoa, o filho em terceiro plano – “o menino” –, só demonstra o conhecimento dele de toda a trama. É uma postura passiva diante daquele turbilhão de emoções que ele deveria estar vivenciando naquele momento. Ele simplesmente não vivencia. Esse é um dos elementos que vão ser ponderados em júri e que demonstram também o conhecimento dele de tudo aquilo que ele passava naquele momento.
A linha de defesa do pai é de que não existem provas de que ele participou diretamente do crime.
Quando a gente fala “participar diretamente”, temos de entender “diretamente” como tendo o domínio sobre o fato e daquilo que vai acontecer, ou participando diretamente, estando lá no local? Nunca ninguém disse, e a denúncia não especifica, que ele estava no local e que ele participou executoriamente do filho. Mas todas as provas, e há diversas nos autos, demonstram que ele tinha conhecimento.
Em algum momento, eles pensaram que ficariam impunes?
Acho que acreditavam desde o início que isso ficaria impune. Relatando um simples sumiço, entenderam que isso ficaria impune. Não se esperava, acredito eu, que se fosse chegar tão a fundo nas investigações e se conseguir tantos elementos. A Polícia Civil fez um trabalho brilhante, conseguiu concatenar fatos e pegar elementos e convicção que, depois, se mostraram extremamente proveitosos na linha investigativa.
Na época, chamou a atenção a falha da rede de proteção, já que Bernardo procurou ajuda. O crime deixa um recado?
A rede de proteção atuou da melhor forma possível, tentando harmonizar os preceitos do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) aos melhores interesses da criança. O que não se tinha era o conhecimento das intenções nefastas do pai e da madrasta, e a isso a rede não tem condições de chegar. Quando se trama um crime por baixo dos panos e se faz tudo para esconder isso das autoridades, é muito difícil chegar.