A semana que passou foi tensa para a agente da Polícia Civil Raquel Biscaglia, 35 anos. Há nove meses, durante uma operação em Gravataí, ela viu o companheiro e também policial Rodrigo Wilsen da Silveira, 39, ser morto na sua frente com tiro disparado por um criminoso, dentro de um apartamento usado para o tráfico de drogas. Nesta sexta-feira (23), Raquel deve participar da primeira audiência de julgamento dos acusados.
O homem apontado como autor do disparo fatal, Maicon de Mello Rosa, tem um longo histórico de delitos e está preso desde então. No apartamento, havia outras cinco pessoas — entre elas, duas mulheres — que agora estão sendo julgadas. Quinze dias após a morte de Rodrigo, Raquel descobriu que estava grávida. Mudou-se para uma cidade do Interior buscando mais tranquilidade. Mas logo viria outra notícia ruim.
Como tem sido a espera pelo julgamento?
Dentro dos prazos normais do Judiciário, a primeira audiência até que não demorou (ainda não há data para o júri). A atenção das autoridades é satisfatória. Um dos alentos é que as duas mulheres donas do apartamento onde foi a operação foram mantidas presas apesar da tentativa da defesa de soltá-las. Umas das mulheres tem uma criança de três anos, o advogado de defesa pediu a liberdade, mas o juiz não deu.
O STF concedeu habeas corpus coletivo para presas com filhos. Você teve receio pela soltura dela?
Até achei que seria possível, mas como já havia audiência marcada, a Justiça a manteve presa. A questão dos direitos humanos está um pouco distorcida. Desde que o Rodrigo foi morto, se procuram direitos humanos para quem matou, mas não direitos humanos para quem sofreu a perda de uma vítima inocente.
Algum grupo de direitos humanos procurou você?
Quinze dias depois (da morte do Rodrigo), descobri que estava esperando um filho. Como foi um choque muito grande, aos quatro meses de gestação perdi a criança. Ele podia ter nascido agora, estava previsto para 16 de março. O Maicon não foi assassino só do Rodrigo. Ele matou o meu filho também.
RAQUEL BISCAGLIA
Policial civil
Nunca. Acho imperdoável ninguém ter procurado entender o que eu e minha família estamos passando. Vejo os valores completamente invertidos. O criminoso é defendido. O homem que matou o Rodrigo tem outros dois processos por homicídio. E ele estava solto. Como pode isso?
O que você lembra daquele dia?
O alvo da operação era uma mulher, líder do tráfico na região. Ela e o filho mais velho gerenciavam a distribuição de drogas e armas no bairro Planaltina, em Gravataí. Naquele dia, fomos até o condomínio bem cedo. Era uma operação de rotina. A equipe que encabeçou a investigação foi direto para o apartamento dos líderes do tráfico. Como de costume, entramos em silêncio no prédio, mas a porta do apartamento nós tivemos de arrombar. Um dos suspeitos estava dormindo na sala. No que entramos, gritamos que era da polícia. Daí alguém abriu a porta de um dos quartos e atirou. Ele fechou a porta e continuou atirando lá de dentro.
Você estava perto do rodrigo?
Atrás dele. Eu era a segunda pessoa. Nós entramos em fila. O Rodrigo era o primeiro, eu vinha logo atrás. Como ele estava na frente da porta do quarto para abri-la, a bala pegou direto nele. Nós revidamos atirando contra o bandido. Nessa troca de tiros, eu não consegui ver de imediato que ele tinha sido baleado. O Maicon, o homem que atirou, é um assassino frio, que sabia que estava atirando em policial e não se importou em ter uma criança dentro do quarto. Na época, eu não conseguia lembrar nada, minha cabeça estava muito confusa, mas com o tempo tu começas a ter clareza das coisas. O tiro pegou no Rodrigo e foi fatal. Quando cheguei nele, já havia muito sangue espalhado. A minha preocupação era salvar a vida dele. Eu cheguei perto dele e disse: "Rodrigo, eu tô aqui meu amor, vou ficar contigo, a ambulância já vai chegar e nós vamos te salvar".
Ele ainda estava vivo?
Ele fazia alguns movimentos. Mexia a boca, tremiam as mãos e as pernas. Mas não abria mais os olhos. Não sei se esses movimentos eram involuntários, espasmos. Quero acreditar que sim, para ele não ter sentido dor, não ter sentido nada.
Dias depois, você soube que estava grávida.
Quinze dias depois, descobri que estava esperando um filho. Como foi um choque muito grande, aos quatro meses de gestação perdi a criança. Ele podia ter nascido agora, estava previsto para 16 de março. Fiz ecografia, ultrassom, ele mexia os bracinhos, o coração batia bem. Sempre tive acompanhamento, psicológico e psiquiátrico, mas o bebê não resistiu. A avaliação médica é de que o estresse foi tão grande que o organismo não aguentou. O Maicon não foi assassino só do Rodrigo. Ele matou o meu filho também.
Como tem sido a tua rotina desde então?
Eu me mudei para o Interior. Tomei essa decisão no mesmo instante. (A pedido de Raquel, por segurança, GZH não divulga a cidade onde ela mora). Tenho acompanhamento médico semanalmente, psicológico também. Tomo remédio para poder dormir e medicação para poder ficar acordada durante o dia.