Ela não abandonará a Polícia Civil e nem a sua missão de trabalhar para mudar a sociedade. É a convicção da escrivã Raquel Biscaglia, 35 anos, mesmo após a traumática perda do companheiro e colega, Rodrigo Wilsen da Silveira, 39 anos, morto a tiro por um criminoso durante uma operação policial na última sexta-feira (23) em Gravataí.
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Juntos desde maio de 2015, quando já trabalhavam juntos há seis meses na 2ª Delegacia de Polícia de Gravataí, eles formavam uma família com quatro crianças. O casal de filhos dela _ com nove e seis anos _ e o casal de filhos dele _ com 10 e sete anos.
– É por eles que eu vou viver e voltar a sorrir. E pelo Rodrigo. Ele jamais deixaria que eu abandonasse a nossa profissão – desabafa a policial.
Raquel conversou com Zero Hora na manhã desta segunda-feira (26), antes de partir por uma semana para São Gabriel, sua terra natal. Confira a entrevista.
Como era a sua relação com o Rodrigo?
Acordávamos juntos, trabalhávamos juntos, buscávamos as crianças juntos. Eram 24 horas juntos. Tínhamos muita afinidade, projetos dentro e fora da polícia. Eu não tenho dúvida de que somos almas gêmeas. Eu digo que não faltou eu falar nada para ele, nem ele para mim. Vivemos intensamente cada dia.
Como era o ritual de vocês antes de sair de casa para uma operação?
Depois de nos fardarmos, sempre fazíamos uma oração juntos. Olhávamos um para o outro e cada um dizia que tudo iria dar certo, que voltaríamos inteiros para casa. Naquele momento, saía o Rodrigo, meu amor, e entrava o 01, que era um codinome que usávamos nas operações para não sermos reconhecidos.
Geralmente fazíamos as operações juntos, em qualquer lugar. E isso nunca foi problema, porque nos conhecíamos muito bem.
Ele estava ansioso com a operação que lideraria?
O clima estava tenso para toda a equipe, porque era uma operação grande, que há muito tempo não era feita pela delegacia. O Rodrigo tinha a consciência de que acabaria com um problema grave da Vila Planaltina. Quando dormiu na noite anterior, ele ainda me disse: "Tô com o pressentimento de que vai dar gol". E deu, tenho convicção de que desarticulamos uma quadrilha importante e violenta. Ele cumpriu a sua última missão.
Nossa equipe e o Rodrigo estavam muito bem preparados, mas é nessa hora que vemos que todos somos vulneráveis. O policial tem treinamento, sabe o que pode acontecer, e o Rodrigo mais ainda. Mas uma hora todos nós partimos. Alguns de forma nobre.
O que aconteceu no apartamento em que ele foi morto?
O Rodrigo era o líder, o escudo, sempre foi protetor. Então, ele entrou na frente. Arrombou a porta e encontramos um apartamento bem pequeno, com duas portas de quartos em uma parede. Não tinha espaço para proteção. Sabíamos que eram pessoas que poderiam ser perigosas, com armas. E aí veio um disparo, nós respondemos, mas o Rodrigo caminhou para trás e tombou entre as portas dos quartos e a da entrada. Entrei em pânico. Vendo o meu amor caído e sem saber o que tinha acontecido.
Os tiros só acalmaram quando a líder da quadrilha saiu de um dos quartos com uma criança pequena. Ela usou o menino como escudo. Uma criança indefesa. Naquele momento eu consegui me arrastar até o Rodrigo, falei com ele. Mas ele não respondeu. Tinha muito sangue. Então eu corri atrás de socorro para chamar a ambulância. Só tinha na minha cabeça a necessidade de salvar a vida dele naquele momento.
Mas vocês foram surpreendidos pelo número de criminosos?
Não sabíamos que dois criminosos estariam lá. E não foi por falha de planejamento. O local foi revisto no final da noite anterior, tarde da noite. E aquele homem que teria atirado no Rodrigo nunca apareceu lá. Se tivéssemos mais agentes na ação poderia ser diferente? Talvez. Mas eu tenho certeza de que o Rodrigo estaria na frente, da mesma forma.
O que fica de lição?
O Rodrigo tinha muita esperança em combater a criminalidade e transformar a sociedade. Em fazer com que as pessoas não se conformassem com a insegurança e nunca perdessem a esperança de uma vida mais tranquila. O problema não é o judiciário, o Estado ou a polícia. É a educação e os princípios de toda a sociedade. E isso não se muda em uma geração. Leva tempo.
No meio desse sofrimento, eu vi que dá para ter esperança. As milhares de mensagens que eu recebi de pessoas que nunca vi, nem conheço, me mostram o quanto existem pessoas boas nesse mundo. Isso vai me dar força e acredito que seja uma demonstração de que, sim, as pessoas se preocupam com as outras e com quem está aqui para protegê-las.