Nos últimos 60 dias, o cirurgião Paulo Roberto Fontes tem se dividido entre salas de operação e viagens a Brasília para tentar salvar da falência o Beneficência Portuguesa, um dos hospitais mais antigos da Capital. Em dezembro, diante da iminência de fechamento da instituição que acumula dívidas de R$ 110 milhões, o professor da Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) fez uma provocação aos colegas médicos e à reitoria: liderar um movimento acadêmico com a ajuda de políticos para transformar o Beneficência em um hospital-escola. A iniciativa rendeu até agora a sobrevivência momentânea da instituição que tem capacidade para 187 pacientes, mas só atende a quatro. Uma consultoria indicada pelo Ministério da Saúde começou um pente-fino no hospital nos últimos dias. Ela deve apontar caminhos para a solução da crise.
É possível garantir que o beneficência portuguesa não vai morrer?
Tenho convicção de que não vai. Criou-se um clima tão favorável a salvá-lo, com a cooperação de entidades públicas e privadas, que não tem mais volta.
Qual seria o modelo ideal para um novo beneficência?
Tem de partir do zero. Começar tudo de novo. O ideal é a renovação total, começando pela nova gestão. Nós, da UFCSPA, estamos entusiasmados. A universidade se colocou à disposição. Mas ainda estamos em uma fase inicial de não deixar o hospital fechar. O Beneficência tem de se manter operando, mesmo que seja num padrão mínimo de capacidade – esse é o primeiro passo. O segundo é o renascer de fato. Qualquer que seja a entidade a suceder o atual modelo terá o problema dos passivos que restaram.
A gravidade da situação chegou a surpreendê-lo?
No início, eu acreditava que era só uma dificuldade de atendimento. Depois, quando fomos tomando pé da situação, vimos que o problema era muito grande. Muito mesmo. Isso nos colocou num desafio ainda maior.
Por exemplo?
Os funcionários não estavam recebendo em dia havia mais de sete meses. Algumas áreas do hospital que poderiam estar funcionando estão completamente desativadas, e outros locais precisam de reformas pesadas. A cozinha hospitalar está interditada pela vigilância sanitária. Um laboratório muito bem equipado, que poderia estar produzindo exames, está quase fora de operação.
O que foi determinante para o hospital chegar a esse ponto?
Todo mundo ganha com a sobrevivência do Beneficência Portuguesa. Uma paciente teve câncer diagnosticado em setembro e só agora vai conseguir passar por cirurgia. Isso é um crime humanitário. Por que não transformar o Beneficência no hospital público que é tão necessário?
PAULO ROBERTO FONTES
Médico
Falta de renovação na gestão. Nenhum setor deve ficar eternamente nas mãos das mesmas pessoas. A troca é fundamental. A mesma gestão foi acumulando déficits insuperáveis. O rombo é tão grande que o patrimônio não paga as dívidas. O que o hospital tem em prédios e terrenos representa um terço do total da dívida acumulada.
Mas quem pode assumir essas dívidas?
A solução passa pelas renegociações com Caixa Econômica Federal e Banrisul, que já assumiram disposição em revisá-las.
Quem ganha com a sobrevivência do hospital?
Todo mundo. Primeiro, o paciente. Esse é o objetivo maior da saúde. Nos últimos anos, vários hospitais foram fechados aqui em Porto Alegre. Os hospitais maiores, inclusive na Santa Casa, tiveram fechamento de leitos pelo SUS. O desemprego agravou esse quadro porque as pessoas estão sendo demitidas e aí ficam sem plano de saúde. Acabam desaguando no SUS. Hoje mesmo passou um caso por mim. Uma paciente teve câncer diagnosticado em setembro e só agora vai conseguir passar por cirurgia. Isso é um crime humanitário. Por que não transformar o Beneficência no hospital público que é tão necessário?
Quem tem mais responsabilidade na recuperação?
No momento, é a própria Associação Beneficência Portuguesa, que precisa se afastar de vez da instituição. Eles vão ter que sair do processo porque a prefeitura, o Estado e a União não aceitam reativar o hospital com a mesma entidade. Só aí o trabalho pode começar mesmo.
A UFCSPA deixaria a Santa Casa e a trocaria pelo beneficência?
Não. A Santa Casa não quer se separar da universidade. O nosso objetivo com esse movimento é ampliar o campus universitário. Precisamos de mais leitos para o SUS e de mais leitos de ensino, porque a universidade tem 16 cursos de saúde e um potencial de crescimento represado. Nutrição, Gestão Hospitalar, Enfermagem e Medicina. São vários cursos que poderiam se beneficiar de uma estrutura pública, com mais atendimento pelo SUS, e isso tudo dentro de um hospital que vai começar do zero. O potencial é enorme para beneficiar quem realmente precisa de saúde pública. Esse movimento pretende renovar a área da saúde em Porto Alegre.