Os equívocos que acabam de ser revelados do caso do ritual satânico destoam do padrão de investigação que a Polícia Civil tem feito. Mais técnico e profissional, o trabalho de conclusão de inquéritos tem rendido elogios de membros do Judiciário e do Ministério Público.
O caso que liga fanáticos em rituais com sacrifício de crianças é uma mancha nesta trajetória de histórias resolvidas pela Polícia Civil. Tudo começou com a desastrosa apresentação feita pelo delegado Moacir Fermino, no dia 8 de janeiro, que misturou sua crença religiosa com um caso rumoroso e extremamente delicado.
Evangélico fervoroso, Fermino falou como se estivesse em um templo religioso. Atribuiu a uma revelação divina a resolução do caso que ligava quatro pessoas e um ritual satânico com sacrifício de crianças. Provas? Três testemunhas. Uma delas classificada como "profeta", que o subsidiava com informações fundamentais para o inquérito. A outra, filho do sujeito divino. Uma terceira testemunha, uma adolescente de 17 anos.
O delegado nunca conseguiu esclarecer a relação direta entre o ritual e o sacrifício de duas crianças — as ossadas encontradas ainda permanecem uma incógnita. O Estado é laico. Na apuração do inquérito, o Estado é a Polícia Civil. E a investigação é um trabalho exclusivamente técnico, sem espaço para devaneios religiosos. Qualquer coisa fora disso é um convite para o erro. Ao misturar preferências religiosas, Fermino constrangeu a cúpula da Polícia Civil, que recomendou uma exame minucioso do caso pelo delegado titular, que voltava de férias.
A versão fantasiosa do delegado Fermino começou a ruir na semana passada, quando o exame técnico no templo de Gravataí não encontrou marcas de sangue humano. Na segunda-feira, uma acareação entre testemunhas e acusados promovida pelo delegado Rogério Baggio fez desmoronar de vez a versão oficial. Duas testemunhas mudaram as versões iniciais e confessaram o falso testemunho.
O caso das crianças volta à estaca zero. Mas o desafio da Polícia Civil agora é dobrado: esclarecer a morte de crianças, reparar o dano causado às pessoas acusadas sem provas e descobrir os motivos que levaram três pessoas a mentir em seus depoimentos. Assim que soube da reviravolta do caso, a Chefia de Polícia pediu a abertura de procedimento na Corregedoria que agora cobrará explicações do delegado Moacir Fermino.