Às vezes, a gente acha que tem certeza, bate o pé, briga, só para descobrir depois que não era bem assim. Daí esbravejamos, ou morremos de vergonha, uns continuam negando — vergonha de voltar atrás! Já os cientistas estão acostumados a ser lembrados todos os dias que não sabem tudo. Mas, ao contrário da maioria das pessoas, aguardam ansiosamente esses momentos. Somos nerds da natureza, viciados em novidades, desde que embasadas em dados sólidos.
Quantos órgãos existem no seu corpo? Você já vai aí contando, coração, fígado, intestino, estômago, cérebro. Devem ser uns 10 ou 15, você pensa. Os livros-texto mais atuais de anatomia contam 79 (!). Mas, desde o dia 27 de março de 2018, são 80. Sim, o maior órgão do corpo humano foi descoberto. Sempre esteve ali, mas nunca ninguém realmente havia notado.
Um órgão é definido como um grupo de tecidos (formados por células), desempenhando uma ou demais funções. Neil Theise, um patologista da New York University, admirava o novo equipamento de dois colegas endoscopistas, David Carr-Locke e Petros Benias, quando estranhou a imagem obtida do tecido vivo (ao contrário do tecido fixado em lâminas tradicionais de patologia). A imagem de um duto de vesícula biliar mostrava uma rede de canais sobreposta ao duto, organizada de maneira peculiar. Não eram vasos, nem tecido conjuntivo. Os livros de anatomia não traziam uma descrição daquilo, embora fosse claramente tecido normal, e não doente.
Pesquisando outras amostras, encontraram o mesmo padrão reticulado adjacente à pele, gordura, intestino, músculos, veias. Deram-se conta de que aquilo era provavelmente o que se descrevia vagamente como interstício (entre tecidos), mas não era um espaço vazio, como se pensava: tinha uma arquitetura peculiar, absorvia impactos como uma almofada. Calcularam rapidamente que dentro do gigantesco sistema estava 20% do líquido de todo o corpo; todo o sistema vascular tem um terço desse volume, o fluido cerebrospinal, 20 vezes menos. Dentro dos canais, o líquido é semelhante à linfa, o que pode revolucionar todo o estudo de metástases tumorais. Nas lâminas histológicas convencionais, o sistema vinha sendo interpretado como "rasgos" de tecido, desde o advento da microscopia, há centenas de anos.
Assim é a espécie humana. Alguns brilham ao enxergar o progresso no que muitos dispensam como corriqueiro, enquanto outros têm dificuldade de ver algo que sempre esteve ali, bem debaixo do seu nariz.
Depois de submeter seu artigo a oito revistas científicas — uma das quais rejeitou o estudo justificando que um novo órgão não interessava ao público (!) —, o trio publicou recentemente na revista Scientific Reports. Por causa desta descoberta, os livros-texto precisarão ser reescritos. Já havia acontecido isso três anos atrás, quando descobriram vasos linfáticos no cérebro. Assim é a espécie humana. Alguns brilham ao enxergar o progresso no que muitos dispensam como corriqueiro, enquanto outros têm dificuldade de ver algo que sempre esteve ali, bem debaixo do seu nariz.