Foi como um daqueles filmes de longuíssima metragem que já estreiam como favoritos ao Oscar. Roteiro, direção e trilha sonora impecáveis, personagens carismáticos, desfecho apoteótico – e a velha luta entre o bem e o mal como pano de fundo da trama. Realizada nesta semana, em Chicago, a convenção do Partido Democrata foi um espetáculo planejado, em cada detalhe, não apenas para consagrar a candidata Kamala Harris, mas para arrebatar uma audiência de milhões de telespectadores. Arrebatou, por exemplo, esta brasileira desterrada, que durante quatro noites acompanhou a convenção de um partido político americano como se fosse a última temporada de Breaking Bad. Como pode?
Como no cinema, tudo começa e termina com uma boa direção, ou seja, com a concepção do espetáculo como um todo: o equilíbrio entre famosos e anônimos no palco (incluindo republicanos que odeiam Trump), a clareza das mensagens (defesa dos direitos reprodutivos das mulheres, proteção dos interesses da classe média, limites para as armas, ênfase no otimismo e na esperança), os intervalos para alívio cômico e musical.
O espectador nunca fica com a sensação de que está assistindo a uma série de discursos e depoimentos idiossincráticos, agrupados de forma aleatória. O que se perde em espontaneidade ganha-se em eficiência. Políticos brasileiros: não subestimem o efeito de um discurso bem escrito e revisado mil vezes antes de vir a público.
Cada noite teve os seus protagonistas: Hillary Clinton e Joe Biden na segunda-feira, Michelle e Barack Obama na terça, Bill Clinton, Oprah e Tim Walz na quarta, Kamala no encerramento.
O ibope da última noite ainda ganhou uma forcinha do boato de que haveria uma “atração surpresa”. Muitos apostavam em Beyoncé, uma das autoras de Freedom, música escolhida por Kamala para embalar sua campanha. Outros sonhavam com Taylor Swift. Não foi desta vez – e nem fez tanta falta. Quem assistiu ao retorno dos Obamas aos holofotes teve a certeza de que os dois melhores oradores do nosso tempo moram, por acaso, na mesma casa.
No país que inventou Hollywood e a Broadway, transformar um grande comício em um espetáculo não chega a ser um acontecimento. A convenção do Partido Democrata não vai entrar para a História pela forma, mas pelo conteúdo: a volta de Donald Trump ao poder é uma ameaça não apenas à democracia americana, mas a todo o planeta.