“É muito estranho viver em um mundo em que, se você morrer, as pessoas ficarão chocadas, mas não surpresas”, diz Matthew Perry a certa altura do livro Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível, lançado há um ano. Depois de passar boa parte da vida adulta lidando com dependência química, depressão e dezenas de tentativas frustradas de desintoxicação, o ator de Friends considerava-se um sobrevivente: “Eu deveria estar morto”. No prefácio, Lisa Kudrow diz que perdeu as contas de quantas vezes ouviu a pergunta “como está o Matthew Perry?” ao longo dos últimos anos.
Direta ou indiretamente, a “coisa terrível” mencionada no título do livro cobrou a fatura no último sábado. Pode-se dizer que os fãs perderam um ídolo ou que a televisão perdeu um ator com um timing perfeito para a comédia. Pra mim, a sensação é parecida com a da perda de um velho amigo. Alguém com quem convivemos desde a juventude e que envelheceu conosco. Alguém que nos fez rir, durante quase 30 anos, das mesmas piadas bobas, reprisadas em looping desde que o último episódio da série foi ao ar, há 19 anos. Alguém que nossos filhos consideram “cringe”, mas engraçado.
Matthew Perry escreveu suas memórias sem a ajuda de um ghost-writer, abordando com franqueza brutal os problemas mais graves, mas sem deixar de notar o lado cômico de algumas situações (quase conseguimos ouvir a entonação de Chandler fazendo piada consigo mesmo em alguns trechos). O ator conta que se identificou com o personagem assim que leu o roteiro da série: “Não é que eu achasse que poderia interpretar Chandler, eu era o Chandler”. Criador e criatura vinham de famílias complicadas, sentiam-se socialmente inadequados e aprenderam a usar a ironia como escudo e tábua de salvação. Perry emprestou sua maneira de falar, sua fragilidade e até seus bordões (“poderia ser mais engraçado?”) para que Chandler se tornasse não apenas um dos personagens mais queridos da turma, mas aquele que com mais naturalidade encarnou a pegada cômica da série.
Há dois anos, os seis atores de Friends voltaram a se reunir na TV. Os fãs aguardavam alguma espécie de reencontro, talvez até uma continuação da história, desde o fim da série. Em vez de retomar personagens ou recauchutar piadas antigas, os produtores optaram acertadamente pelo registro documental. Para o elenco e para os fãs, Friends: The Reunion (HBO) acabou sendo uma amorosa celebração da nostalgia.
Com o especial (em 2021) e a publicação do livro de memórias (em 2022), Matthew Perry saiu de cena acertando as contas com o próprio passado. Depois de tantos saltos mortais, uma aterrissagem surpreendentemente firme sobre os dois pés.