Qualquer exposição que consiga reunir obras de Van Gogh, Renoir, Cézanne, Modigliani, Matisse e Picasso é um acontecimento único, uma Copa do Mundo da arte. Há cem anos, na Filadélfia, foi um desastre.
A imprensa esculhambou, os visitantes não entenderam e não gostaram, e o dono da coleção, o empresário Albert C. Barnes (1872 – 1951), definitivamente não levou na boa a decepção.
Barnes foi um típico self-made man. Com pouco mais de 30 anos, ficou milionário fabricando um remédio que curava a gonorreia e não precisou mais trabalhar. Interessado em arte moderna, começou a viajar para a Europa para garimpar preciosidades. Em 1923, organizou uma exposição de cerca de 75 peças de sua coleção em sua cidade natal, a Filadélfia, mas a reação da crítica, e do público, foi brutal.
Nunca subestime a ira de um milionário humilhado. Barnes ficou tão furioso com a reação da cidade que decidiu que os filisteus da Filadélfia jamais voltariam a colocar os olhos em seu tesouro. Criou uma fundação voltada ao ensino da arte e impôs uma série de restrições para futuros administradores. As obras deveriam ser exibidas do jeito que ele gostava – reunidas não por época ou estilo, mas por parentesco estético. Os quadros também não deveriam ser vendidos, emprestados ou expostos ao público em geral, como em um museu convencional. Visitas só com hora marcada – e olhe lá.
Ao vivo, o acervo da Barnes é ainda mais impressionante do que eu imaginava. Fiquei obcecada em conhecer a fundação desde que assisti, anos atrás, ao documentário The Art of the Steal (YouTube). A palavra “roubo” (steal) no título do filme refere-se ao fato de que as determinações do excêntrico colecionador foram sendo afrouxadas ao longo dos últimos 30 anos. A fundação continua mantendo um projeto educacional forte, mas hoje parece um museu como qualquer outro (ingresso, lojinha, fila…). Os quadros ainda estão dispostos da forma como Barnes imaginou, mas desde o ano passado, graças a uma decisão judicial, podem ser emprestados para outras instituições.
Muitas obras-primas estão escondidas em salas de estar luxuosas ou, pior, em depósitos climatizados à espera de um comprador. (Depois das drogas e da prostituição, dizem, o mercado de arte é o menos regulamentado do mundo.) É contraintuitivo imaginar que um patrimônio da humanidade é também uma propriedade privada sujeita aos caprichos de uma única pessoa, mas não é tão raro que isso aconteça. Se a excepcional coleção reunida por Albert C. Barnes precisou ser “roubada” para que mais pessoas pudessem visitá-la (eu inclusive), trata-se de um daqueles raros casos em que o crime compensou.