Foi uma história com final feliz. Acho.
Escrevo na sexta-feira, véspera de um sábado em que, se todas as previsões se confirmarem, haverá chuvas esparsas e algum silêncio no ar para os que estão acostumados a ouvir os próprios pensamentos nos momentos de descanso.
Meu drama acústico começou no último fim de semana. Sábado, perto das 16h, a obra de um grande edifício perto da minha casa, no Mont'Serrat, decidiu tocar o terror na vizinhança promovendo um baile de marteletes rompedores e serras capaz de acordar os vizinhos lá da Azenha do seu sono eterno. Digamos que sofri um tremor de 9,5 graus na Escala Dercy Gonçalves de boas maneiras.
Sou uma pessoa calma. Não porque a natureza ou a educação me fizeram assim, mas porque, por motivos práticos, decidi conter a energia, digamos, "expansiva" que vibra no meu DNA. Temperamentos exageradamente suscetíveis aos primeiros impulsos que vêm do fígado tendem a perder um tempo precioso em discussões inúteis. Posso pensar rapidamente em uma extensa lista de atividades que me dão muito mais prazer do que discutir: ler, namorar, ouvir música, rir de piadas bobas, abraçar pessoas queridas, beber com amigos em uma mesa de bar. Como vocês podem perceber, a pandemia empatou boa parte do meu divertimento. Dercy ficou à solta.
Meu autocontrole é especialmente sensível a ruídos fora de lugar ou de horário. Se o barulho for no sábado e tão estridente a ponto de ficar difícil ouvir a voz da razão, Dercy Gonçalves é capaz de assumir o comando das operações. Foi ela quem ligou para o engenheiro responsável pela obra, fez queixa na prefeitura, na ouvidoria da empresa e depois, claro, na ouvidoria do mundo: as redes sociais. O resultado é que me chamaram para uma reunião dois dias depois. Antes que Dercy abrisse a boca para reclamar, fui comunicada de que haviam decidido que as obras, aos sábados, passariam a ser interrompidas às 14h, e as malditas serras não mais seriam usadas no fim de semana. Uma pequena vitória da sociedade civil contra a engenharia idem.
Dercy já me prometeu não voltar à ativa tão cedo, mas continuo com algumas dúvidas: 1) por que a prefeitura de Porto Alegre autoriza obras até as 19h de sábado, em plena pandemia? E sem limites de ruído? 2) por que uma empresa, pelo bem da sua comunidade, não planeja para o fim de semana uma escala de tarefas que contemple a qualidade de vida dos moradores da vizinhança, mesmo que seja "legal" tocar o terror na serra elétrica? 3) parafraseando Fran Lebowitz na deliciosa série da Netflix, por que não fazemos de conta que vivemos em uma cidade?