“Irrespirável”, no sentido figurado, é aquele tipo de ambiente que nos causa um mal-estar tão intenso e generalizado, que não há outra saída a não ser correr para a porta da rua ou buscar o caminho do aeroporto. Ainda assim, respira-se o ar irrespirável – mesmo que para isso seja preciso tapar o nariz de vez em quando.
Interações nas redes sociais podem ser irrespiráveis, assim como uma festa de família, um relacionamento amoroso, a rotina dentro de casa, a solidão da quarentena, o noticiário. Chega uma hora em que tudo o que se quer é refrescar a sala abrindo as janelas para o ar da gentileza, do bom humor, do otimismo, do bom senso e até mesmo do silêncio. (“Coragem eu tenho, o que me falta é ar”, teria dito Júlio de Castilhos antes de morrer – de doença, não de metáfora.)
Países inteiros, continentais, podem se tornar “irrespiráveis” de uma hora para a outra. Não porque parte dos eleitores aprova ou deixa de aprovar determinadas escolhas políticas dos seus governantes. Pode-se discordar de alguém e ainda assim continuar respirando, sem dificuldade, o ar mais ou menos puro da democracia. “Irrespirável” é ser comandado por quem abriu mão da obrigação de se comunicar com o conjunto da sociedade na linguagem padrão da civilidade básica. “Irrespirável” é estar submetido a um líder que não assume responsabilidade alguma, muito menos a de liderar.
Na novilíngua pandêmica (“lockdown”, “live”, “zoom”, “antivax”...), o termo “irrespirável” não é dos mais populares, mas talvez seja um dos mais terríveis quando deixa de ser uma figura de linguagem. O colapso em Manaus com a falta de oxigênio forneceu a imagem mais apropriada para essa doença que sufoca pessoas e asfixia a economia: o pulmão do mundo ficou sem ar. Os aterradores pedidos de socorro das equipes médicas são a concretização das previsões mais trágicas feitas pelos especialistas – caos nos hospitais, desespero, pacientes agonizando sem atendimento – mas a capacidade de destruição do negacionismo foi ainda mais mortal do que qualquer um poderia imaginar.
Irrespirável é pensar que todo esse sofrimento poderia – e deveria – ter sido evitado.
