Diante do colapso do sistema de saúde, estar em Manaus (AM) é como viver em uma guerra sob o risco de a qualquer momento sofrer um ferimento mortal. A descrição é do gaúcho Alexander Teixeira, 42 anos, natural de Caxias do Sul, que se mudou para o Amazonas, em 2018, para trabalhar como gerente de tecnologia. Ele relata que a população está se trancando em casa com medo de ser infectada pelo coronavírus, pois sabem que não há hospital para socorrê-las.
A situação de Manaus demonstra o pior cenário que a pandemia de covid-19 pode causar. A cidade possui déficit diário de cerca de 48 mil metros cúbicos de oxigênio. As pessoas estão morrendo asfixiadas nas camas de hospitais.
— A cidade está muita tensa, com hospitais lotados e a rede pública sem conseguir atender a demanda. A necessidade de oxigênio triplicou. Falam que a produção é de 35 mil metros cúbicos por dia, mas a demanda agora é de 75 mil metros cúbicos. Ontem, saiu o comunicado que a maioria dos hospitais particulares está fechando seu pronto-socorro, pois não conseguem atender — relata o caxiense.
Para Teixeira, a situação chegou neste momento de caos por dois fatores. O primeiro foram as falhas do governo estadual. O caxiense cita que o toque de recolher, que hoje vigora das 19h às 6h, precisou ser decretado pelo Tribunal de Justiça diante da falta de ação dos governos locais.
— Desde agosto, sabia-se que uma segunda onda (de infecções) poderia vir, mas foi desestruturado. O hospital de campanha foi desmontado. O Governo Federal enviou R$ 600 milhões para o combate da pandemia, mas foi investido pouco mais de R$ 200 milhões. (O governo estadual) não consegue explicar para onde foram os outros R$ 400 milhões. O governo foi negligente em controlar o fluxo de pessoas e restringir as atividades.
O segundo fator determinante foi a negligência das pessoas com os hábitos de prevenção básicos, como o uso de máscaras e evitar aglomerações. As notícias sobre a gravidade da doença e o crescimento dos índices não foram suficientes para conscientizar a sociedade local.
— As pessoas minimizaram o aspecto covid-19, acreditaram que seria apenas uma "gripezinha". Acharam que depois da primeira onda iria acabar. Os índices sempre foram muito altos, mas as pesquisas me parecem erradas. Mostraram uma época que 65% da população já teria sido infectada, entre curados e assintomáticos, o que agora parece uma grande besteira que apenas levou a um relaxamento. Houve falta de investimento público, mas o grande fator foi a negligência por parte dos moradores. Pouco uso de máscara, poucas pessoas com hábitos de prevenção. Nas eleições, foram comícios gigantes. Nas festas de final ano, foram grandes aglomerações — relata Teixeira.
Agora, a população de Manaus conta com o apoio do Governo Federal, outros Estados e até da Venezuela para diminuir o número de mortes, além da mobilização de artistas para doações. Cilindros de oxigênio são levados para Manaus e pacientes são transferidos para Estados vizinhos. O problema é a logística, pois o acesso a Manaus precisa ser por meio aéreo ou pluvial.
— O fato de ganhar repercussão agora é porque saiu de qualquer controle possível, mas em nenhum momento os hospitais tiveram um baixo número de atendimentos. Não há morador de Manaus que não tenha perdido alguém e conheça mais casos (de mortes pela doença). Tive um amigo da família que morreu esta semana por falta de oxigênio, morreu de asfixia. É muito triste. Já havia perdido nas últimas semanas outros quatro amigos. É muito doloroso — lamenta.
"Colapso do sistema de saúde é o pior da pandemia"
Diante da superlotação de hospitais, Teixeira relata que, hoje, não há uma orientação clara para a população de Manaus de como proceder em caso de sintomas. As alternativas são usar a telemedicina e ligar para a Secretária de Saúde, mas sem um destino claro.
— Hoje só estão aceitando internação no hospital de quem levar o próprio cilindro de oxigênio. Se tiver o covid-19, precisa ter muita fé e sorte. No condomínio em que moro, há pelo menos seis pessoas usando oxigênio em casa, pois não existem vagas nos hospitais. As filas de espera ultrapassam os 400 pacientes. Estas pessoas que estão na linha de frente, médicos e enfermeiros, são heróis, pois não tem recursos e estão trabalhando 24 horas, emendando plantões. Está tudo muito complicado.
Para Teixeira, o colapso do sistema de saúde é o pior desta pandemia de coronavírus, uma possibilidade que, até então, a sociedade não compreendia.
— É diferente. As pessoas sabem que doenças podem levar a morte, que faz parte. Mas sempre existe o tratamento e os protocolos, aquela situação que podemos enfrentar. O ruim é estar doente e não ter oxigênio. Estamos vivendo como se fosse uma guerra, como se a população estivesse em uma câmara de gás. Estamos sem oxigênio. O estresse na cidade é enorme _ descreve o gerente de tecnologia.
A situação de Manaus, na opinião de Teixeira, precisa servir de alerta para todo o Brasil. Ele lembra que a nova variante do vírus que assola a cidade já foi detectada no Japão, como exemplo do poder de contágio da covid-19.
— É possível acontecer em qualquer Estado. Se as pessoas não se conscientizarem do uso de máscaras, higienização e evitar aglomerações, irá colapsar no Brasil inteiro. Por mais que uma cidade tenha uma rede forte de hospitais, tanto público quanto privado, não conseguirá a quantidade de pacientes que podem vir deste vírus. O contágio é altíssimo — alerta.