A boa notícia é que Machado de Assis ganhou uma nova tradução para o inglês na semana passada. A notícia excelente é que a edição se esgotou em apenas um dia na Amazon. No prefácio do livro, publicado no site da revista New Yorker na última quarta-feira, o escritor americano David Eggers definiu Memórias Póstumas de Brás Cubas (ou The Posthumous Memoirs of Brás Cubas) como “um dos livros mais espirituosos, divertidos e, portanto, mais vivos e sem idade já escritos”.
O entusiasmo entre os meus amigos (reais e virtuais) com a notícia não foi menor. Muita gente compartilhou o texto elogioso de Eggers, e alguns veículos, mais entusiasmados ainda, chegaram a anunciar uma “redescoberta” de Machado de Assis nos Estados Unidos. Não é para tanto, eu sei, mas em meio a tantas notícias negativas em relação ao Brasil é o que temos no momento para comemorar. (No último boletim médico, nossa autoestima, sem previsão de alta, respirava por aparelhos em um hospital de campanha superfaturado.)
Concordo com Eggers: Memórias Póstumas é diversão garantida para leitores de todas as épocas e de todas as partes do mundo. Ainda assim, é possível que um estrangeiro não alcance certas sutilezas da história que refletem, sem piedade, a forma como boa parte dos brasileiros se comporta quando ninguém está olhando. O cinismo de Brás Cubas, o defunto autor há muito já distante do teatro das virtudes onde cidadãos de bem como ele são protagonistas, desvela nosso estilo muito pitoresco de canalhice: sempre com um sorriso de Gerson no rosto e a tranquilidade de quem acredita que levar vantagem em tudo é a única tradição nacional que nunca vai ficar demodê.
Brás Cubas, lá do seu túmulo, não se espantou ao ler que um terço das famílias das classes A e B solicitou o auxílio emergencial de R$ 600 pago pelo governo nos últimos meses e que 3,9 milhões das famílias mais ricas do país têm algum membro recebendo a ajuda emergencial criada para apoiar os mais pobres durante a pandemia. Ao conferir a notícia no seu ipad, talvez entediado com a falta de novidades do século 21, Cubas ajeitou o pince-nez, deu um pigarro retórico e dirigiu-se aos seus sempre atentos botões: “Vulgaridade de caracteres, amor das aparências rutilantes, do arruído, frouxidão da vontade, domínio do capricho, e o mais. Desta terra e desse estrume é que nasceu esta flor”.