“Compre agora com um clique.” Essas cinco palavrinhas piscando no meu tablet não são apenas um convite ao consumismo literário, mas a prova de que comprar um livro é mais fácil do que trocar de canal ou passar um café. Não preciso sequer levantar do sofá para buscar o cartão de crédito na bolsa – o que me daria alguns instantes para refletir antes de sucumbir à simplicidade do processo. Clicou, levou. Pode ficar mais fácil? Pode. Se preferir, nem preciso ler o que acabei de comprar: levando a versão em áudio, posso escutar A Ilíada enquanto faço compras no Zaffari ou espero o T1.
Em 2019, qualquer leitor pode localizar uma obra rara em um sebo de Istambul onde jamais colocará os pés, carregar toda a obra de Balzac no bolso do casaco, para uma eventualidade, ou entregar-se à leitura do seu livro favorito cercado pela mais espessa escuridão – pelo menos até a bateria acabar. E se todas essas possibilidades nos espantam e fascinam, é porque ainda estamos no início da revolução tecnológica que mudou para sempre nossa relação com a escrita, da mesma forma como as invenções do alfabeto, do papel e da impressão alteraram o rumo da História no passado.
A escrita é a criação humana que tornou possível todas as outras e moldou nossa forma de pensar de forma tão profunda que nem sequer conseguimos imaginar um mundo sem autores e sem leitores. Mas no princípio era apenas o verbo – e a voz. Histórias eram passadas adiante de forma oral (de bardos que não sabiam escrever para ouvintes que não sabiam ler). Por volta de 1200 a.C., os fenícios inventaram um sistema de sinais gráficos muito melhor do que todos os que existiram antes. Os gregos copiaram e aperfeiçoaram a ideia e em 800 a.C. criaram um alfabeto próprio para administrar as contas e narrar as façanhas da Guerra de Troia. A Ilíada se tornou o texto por meio do qual os gregos espalharam sua cultura e seu alfabeto. Um presente de grego, no melhor sentido, para o resto do mundo.
O Mundo da Escrita – Como a literatura transformou a civilização (Companhia das Letras), de Martin Puchner, faz com a história da leitura mais ou menos o que Sapiens (L&PM) fez com a história da nossa espécie: uma narrativa erudita e ao mesmo tempo eletrizante, que nos conduz de Homero a Harry Potter, passando pelos textos sagrados, pelas Mil e Uma Noites, pelos maias, pelos grandes manifestos políticos... Puchner é professor de literatura comparada em Harvard, mas seu livro é menos sobre grandes obras literárias do que sobre a forma como as diferentes tecnologias impactaram a maneira como produzimos e consumimos ideias. Do papiro ao celular, tudo mudou, menos o essencial: nossa incontornável vocação para ouvir e contar boas histórias.