Brasil e Estados Unidos vivem um raro momento de espelhamento político. Os dois países elegeram presidentes que se sentem confortáveis na zona de desconforto, refestelando-se com a polarização e o confronto permanente. Como desistiram de agradar “ao outro lado”, sentem-se à vontade para dobrar a aposta na fidelidade da própria militância: Trump fomentando o ódio racial, Bolsonaro escancarando o nepotismo. Ou vai ou racha. Na verdade, já rachou.
Se existe alguma vantagem nesse espelhamento inédito é a possibilidade de compartilharmos, além das perplexidades, as bibliografias, já que muitas análises valem para os dois países. Aqui como lá, nunca os livros e as discussões sobre ciência política foram tão pop. Sobre o Autoritarismo Brasileiro, coleção de ensaios da historiadora Lilia Moritz Schwarcz, mal foi lançado e já entrou para a lista dos mais vendidos. Entre as traduções, houve uma boa leva de livros analisando a crise da democracia (Como as Democracias Morrem, Democracia em Risco, O Povo Contra a Democracia, Ruptura) e outra discutindo diferentes aspectos do fascismo (Como Funciona o Fascismo, Fascismo: Um Alerta).
Entre os lançamentos recentes nos EUA, despontam os que se propõem a distinguir a direita populista, chauvinista e ressentida (representada por Trump) das ideias conservadoras de raízes iluministas. A revista The Economist publicou neste mês uma reportagem sobre a crise do conservadorismo “velha escola”, abduzido pelo trumpismo em 2016: “A esquerda pode ter perdido uma eleição, mas a direita perdeu um partido, o que é pior”. Dois livros lançados há pouco vão por essa linha. The Conservative Sensibility, de George F. Will, disserta sobre a essência do pensamento conservador clássico: todos os homens são criados iguais e cada um tem o “direito natural” de fazer o que quiser, cabendo ao governo apenas a tarefa de garantir a liberdade. Sobre Trump, não por acaso, nenhuma linha. Já American Carnage, do repórter político Tim Alberta, tenta entender como o Partido Republicano sucumbiu a Trump – e como poderá sobreviver a ele.
No Brasil, está mais do que na hora de a direita não populista e laica dar as caras, exigindo o espaço a que tem direito no debate público e distanciando-se do populismo de matriz religiosa de Bolsonaro. Para o bem da direita, da esquerda e de todos os que acreditam que o diálogo sensato entre os dois lados não é impossível.