Eleitores parecem capazes de acreditar em quase qualquer desatino proferido durante uma campanha e raramente dedicam-se a investigar, com seriedade, se seu candidato dispõe de algum traço de espírito público ou liderança genuína. Entrar na política para garantir uma boquinha (ou um bocão) é a norma que esmaga quase todas as exceções – e a simples ideia de que alguém decida entrar nesse vespeiro movido por idealismo ou algum tipo de indignação cívica soa não apenas romântica, mas ingênua. Vem daí boa parte daquela espécie de ceticismo que os cientistas políticos apelidaram de "crise da democracia representativa".
Tem cura, doutor? Nós, os otimistas, esperamos que sim, pela ótima razão de que ainda não inventaram nada melhor. Mas para que a democracia deixe de ser vista como uma boa ideia mal executada precisamos que os idealistas voltem a se interessar pela política e que a vontade de melhorar o mundo seja um motivo tão bom quanto qualquer outro para disputar uma eleição. A maioria de nós não consegue encarar os rolos do próprio condomínio sem perder a paciência e os bons modos. Para resolver os complexos problemas de uma cidade, de um país e do planeta, precisamos de pessoas com talento para sentar em volta de uma mesa e negociar. Melhor ainda se essa mesa de negociação contemplar a maior variedade de interesses envolvidos possível.
Se você, como eu, anda precisando de uma injeção de otimismo nesse sentido, minha dica é assistir ao filme Virando a Mesa do Poder, documentário da Netflix que acompanha quatro mulheres que disputaram vagas no Congresso americano no ano passado, movidas pelo idealismo ou pela indignação e apoiadas por um movimento de renovação da classe política – entre elas, a jovem Alexandria Ocasio-Cortez, que se tornaria o grande fenômeno daquelas eleições.
A diretora Rachel Lears começou a acompanhar Alexandria antes mesmo de a jovem garçonete do Bronx conseguir as assinaturas necessárias para disputar as prévias com um deputado mais velho e mais experiente. Foi como acertar na loteria dos documentaristas. Mas o filme é muito mais do que o registro da bem-sucedida campanha de uma novata carismática. Virando a Mesa do Poder é uma aula sobre o que a política poderia ser se mais pessoas idealistas decidissem encarar o desafio de consertar o sistema por dentro - e mais eleitores soubessem votar em quem realmente os representa.